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domingo, 7 de fevereiro de 2016

ELOGIO DO ESPELHO

Às vezes me fio a fiar com teus espíritos. Aos que tentam tricotar comigo, devolvo os pontos com mais nós. Entendas! Tu és meu novelo. Tuas linhas puxo eu. Pois, muito prazer, sou o Espelho, essa parte de ti que teima em ficar perdendo-se em meus interiores. Sou também (para que não restem dúvidas) irmão mais novo da Loucura, a moça que, volta e meia, pega emprestado minhas agulhas – perceberás quando ela resolver tecer contigo! Mas no mais, não te preocupes tanto com ela, ao invés de te sufocar os olhos, prefere mesmo algumas mãos alheatórias. Houve um tempo, inclusive, que andou até gastando tintas pelos dedos de um homem chamado Erasmo de Roterdã; outra vez, malucando a cabeça de outro mortal, ensaiou a sua própria história (a “História da Loucura”, por Michael Foucault – este foi o mortal que utilizou).
Quanto a mim, confesso que sou muito mais dos olhos, já que “os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim” – escrevi, certa vez, utilizando o corpo de um Rosa. Guimarães Rosa, para ser mais exato. Ah, eis uma alma fácil de perfumar e, que de tão profunda, quase me levou junto ao me encarar.  É claro, os olhos nos enganam. A grandeza ou a baixeza não estão disponíveis, apenas, em um exclusivo sentido, mas na mistura de todos eles, na descoberta mestiça e sensorial de novas cores. Uma vez perdendo-se do colorido, lá estarei eu para te “abismar” (salvo se tu fores um Rosa).  
Explico de outro modo: Medusa (a górgona) é a melhor de todas as representações de mim, o vosso Espelho. Quando a olhamos, petrificamos, pois é quando percebemos que a feiura dela é também a nossa. Sim, só no reflexo dos escudos dos outros é que ficamos mais confortáveis para confrontarmos nossas próprias imagens. Elas recebem os filtros dos "tu és legal". E não, não dá mesmo para encarar diretamente nenhum "eu", viramos pedras, daí (conhecem o mito). Perseu, por exemplo. Ele só conseguiu vencer(-se) desse modo, espreitando e não olhando para o que ele mesmo era, já que nenhum ego suporta um confronto tão direto assim. Pois então. A sinceridade é vista desse jeito mesmo: uma górgona feiosa e cheia de cobras na cabeça. Só que não deveria ser.
Espelho, espelho meu... Não. Pare. Está louco. Jamais pergunte isso, pô! Quer virar pedregulho? Entendas! Veja! Há momentos da noite em que deixo de lado minhas tantas funduras. Então me torno simples só para te saudar – tal como fiz com este aí debaixo:
“.rad aireuq em euq etion aob mu òs are – odacaer ues rednetne a ieromed sam ,eled etnaid em-etiejA .otierid siuq em ,otiej ues od e osseva oa ,euq ohlepsE o iof ejoH”
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(Escrito pelo Espelho, este usou os dedos do Dilso, mas isso não vem ao caso). 

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