Encontro milhões de vozes arredondando o universo,
inclusive as minhas. Mas o engraçado mesmo é ser encontrado por uma voz
quadrada, inquieta. Ah, gente! Difícil ter que afirmar (quando falamos, as
palavras dão formas ao que pensamos, elas viram monstros de corpo e tudo o mais),
porém preciso dizer, perdoem-me os otimistas: sim, há momentos em que estamos
tão exaustos de tudo que até o nada nos parece cheio, daí ficamos ouvindo, e
ouvindo, e ouvindo... E os ouvidos – coitados – ficam girando dentro daquela
barrigona que o “sem-assunto” engravida.
Bom, neste instante, acredito que o leitor já não
aguente mais. Claro, quer saber quem é essa mulher que não existe e o porquê desse
título tão platônico. Pois digo. Ela existe sim, acabou de encontrar meu corpo
em uma daquelas gorduras que te falei. Só que ao invés de uma gravidez, me fez
parir algumas emoções.
Bom, explico melhor:
Como eu já disse, há vozes que nos encontram. Cansado
das paredes e do calor de estar lá fora, um sábado me tragou. Peguei uma
cerveja, misturei com um livro da Clarice Lispector e fomos conversar. Surpreso
com tamanha mestiçagem? Pois saiba que ambas possuem maneiras distintas de
embriaguez, juntas descobri um ópio bem baudelairiano, enfim. E assim que
acabei de ler, senti que uma paixão dessas de adolescentes havia me enquadrado
de jeito – então, sofrido, escrevi o seguinte:
“Acabo de ficar bastante chateado ao terminar de ler
uma obra que outro de mim já havia lido há uns quinze anos. Este último,
confesso, sofreu mais, amou mais, sentiu até os ossos os sofrimentos da moça
Macabéa (personagem de "A hora da estrela", de Clarice Lispector).
Mulher de pouca existência, nordestina sem rumo e que mal sabia que podia, como
todo mundo, chover, chorar... Sim, hoje sofri, não pela leitura, mas com a
sensibilidade dos dedos que criaram essa criatura torta, mas tão torta que a
vida dela foi me descendo como cubos de gelo – uma novidade para os redondinhos
que deixam preguiçosos os nossos sentidos.”
“Ah! Tarde bonita, noite perfeita, mesmo que
tristonha, na companhia dessa obra-prima... Ainda não leu? Então não leia, vá
dormir. Por hoje basta, já chega eu ter me apaixonado por esse fio de pessoa
que, por não existir, acabou por me fazer mais existente.”
“Boa noite!”
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