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terça-feira, 31 de março de 2015

EM ALGUM LUGAR NO PASSADO...


Longe, tão longe quanto a maior de todas as lonjuras... distância de dentro de mim. Enfim, lá estava eu sentado num dos bancos de um ônibus. Na mochila, além da marmita fria, um livro iluminava a parte menor da bolsa. Não, não gostava quando alguém se sentava ao meu lado e puxava conversa. Mal sabiam eles que não podia “esquizofrenar” entre o livro que estava lendo e as perguntas que me faziam. Lembro que sempre me questionavam se era o livro sagrado que tinhas nas mãos. Nossa! Ninguém acreditava quando percebia aquele baixinho mestiço e mal vestido lendo um livro que não fosse a bíblia (pobres, em suas cabeças, precisam ter fé!). Cansado daquela rotina, logo que descia do coletivo, puxava um cigarro e um isqueiro do bolso e acendia como quem diz: “não sou religioso, amigos!”
Já no trabalho, era operário, puxava outro livro e punha-o no bolso (há livros meus que ainda estão sujos de terra por isso). Seguia. Trabalhávamos na poda de árvores, nosso caminhão recolhia tudo o que ficava na calçada e na rua. Quando enchia a caçamba, lá íamos nós em uma viagem de meia hora de ida e meia de volta para descarregar o dito cujo. Sim, era ali que minhas viagens ganhavam outros rumos. Sacava do bolso o livro e fazia todo o trajeto em uma leitura calada ao lado do motorista.
Quando o dia finalmente terminava. Tomava banho por lá mesmo e quebrava mais um dos paradigmas sociais, já que muitos, utilizando-se de olhos comuns, me viam o dia todo como um analfabeto. Eu era um estranho, admito, pois à noite (com uma sacola batendo panelas quando caminhava) me dirigia para a faculdade de Letras. Chegava sempre uma hora antes de começar. Naquele momento puxava o terceiro livro do dia, tinha um para cada momento. Como as coisas estavam ruins, pelo menos financeiramente naquela época, muitas vezes aguardava até o final da noite para almoçar em casa – meu estômago acabou acostumando e até hoje comida não me faz falta. E assim passaram-se dez anos. Dez anos de leitura e vozes que no final das contas só sei ouvir agora. Através delas aprendi a amar a noite. Desacelerei a vida ao descobrir que os silêncios são muitos e as vozes sinfonias que nem sempre sabem dizer o que o maestro quer, pelo menos não seu tempo certo.

Hoje, quando olho para dentro, penso se suportaria passar por tudo novamente. Os restos de mim se tornaram cientes de que aqueles que eu fui (mesmo estranhos) são os que fizeram de mim este tudo que nada lhes parece. Só se que o tempo ainda me abriga..

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