Queria que as palavras não doessem tanto. Saem como
um parto. Ficam no mundo: Antígona.
Hoje o dia começou
maluco. Incapaz de manter os detalhes para fora de mim, logo cedinho, fui
mastigando os passos em direção aos lugares que as obrigações me mandavam ir.
Primeiro uma consulta médica, Ok; já que estive ali perto, passei em
determinada Escola para ver se havia vaga para professor de Língua Portuguesa
ou Literatura, mas logo entendi que era pouco apresentável para o espaço (senti
os dizeres nos olhos daquela recusa), agradeci e saí; pouco mais frustrado,
passei no laboratório para marcar um exame necessário, ali as pessoas pareciam
mais afinadas, gostei; enfim, dirigi-me ao posto de gasolina para trocar o óleo
do carro, sabia que demoraria. Então, aguardando, li alguns ensaios do
antropólogo Roberto DaMatta. E enquanto fazia isso, fora de meu controle, todas
as verdades daquele caminho (entre a “casa” e a “rua”) se manifestaram nos
textos, nas relações históricas que se confundiam com aqueles “agoras”.
Assim diziam: “Numa
sociedade onde somente agora se admite não existir igualdade entre as pessoas,
o preconceito velado é uma forma muito mais eficiente de discriminar, desde que
essas pessoas ‘saibam’ e fiquem no seu lugar.” Parecia até um salmo. Será que
eu não estou sabendo qual é o meu lugar? Pode ser. Devia ter ficado em casa.
Levantei, pensei em
esticar as pernas. Nesse momento, deixando o DaMatta um pouco de lado
(precisava compreender o que ele estava querendo me dizer), peguei um
cafezinho, acendi um cigarro e fui até a margem da rua – senti que meus
espíritos estavam inflamáveis, por isso fumei longe – quando, ao acaso, unidas
pelas mãos, vi passar duas mulheres. No entanto, não foram elas que me engordaram
a atenção. O que me encheu os olhos foi a atitude de uma senhora que vinha logo
atrás delas. Persignou-se (fez o “sinal da cruz”) ao movimento de uma simples
troca de beijo entre aquelas pessoas. Persignei-me para perseguidora
‘persignadora’, também. De imediato, baixei a cabeça e pensei: “Hoje não é mesmo
o meu dia. Caramba!”.
Então, sei que não
devia, mas fiquei costurando as cores daquela pequena epopeia, minha aventura desde
minha casa até ali. Voltei para dentro do posto. Peguei o jornal local, acordei
o texto que dormia em minha coluna daquele dia, reli e algo me ‘reacordou’:
“Vadiar também é preciso” – confesso que me impressionou aquela frase, frase
que eu mesmo havia escrito. Que coisa, mesmo de folga, meus pensamentos ainda
não sabiam fazer o que aquele outro exigia de mim. Não dava para vadiar, eles
(os pensamentos) trabalhavam naquele mesmo espírito que carregava a acepção
mais antiga do termo trabalho. Baú que o antropólogo me fez abrir hoje pela
manhã: o de tripalhare, que significa
castigar com o tripaliare, palavra
que origina esta: ‘trabalhar’.
Ah! Depois me perguntam
por que levo a vida como ermitão. Espero que estas pequenas horas para fora de
casa possam ter respondido por mim. O que, para encerrar, parodio com uma
passagem escrita por Homero. Acho que é assim:
Meu nome é Ninguém,
Polifemo. Se alguém perguntar, diga que Ninguém ficou chateado com sua maneira
caolha de "pouco-ver" as pessoas. Afinal, Ninguém é pessoa, ora!
Vai um vinho, aí?
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