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terça-feira, 6 de outubro de 2015

AOS OLHOS DO “NÃO TE QUERO”

Queria que as palavras não doessem tanto. Saem como um parto. Ficam no mundo: Antígona.

Hoje o dia começou maluco. Incapaz de manter os detalhes para fora de mim, logo cedinho, fui mastigando os passos em direção aos lugares que as obrigações me mandavam ir. Primeiro uma consulta médica, Ok; já que estive ali perto, passei em determinada Escola para ver se havia vaga para professor de Língua Portuguesa ou Literatura, mas logo entendi que era pouco apresentável para o espaço (senti os dizeres nos olhos daquela recusa), agradeci e saí; pouco mais frustrado, passei no laboratório para marcar um exame necessário, ali as pessoas pareciam mais afinadas, gostei; enfim, dirigi-me ao posto de gasolina para trocar o óleo do carro, sabia que demoraria. Então, aguardando, li alguns ensaios do antropólogo Roberto DaMatta. E enquanto fazia isso, fora de meu controle, todas as verdades daquele caminho (entre a “casa” e a “rua”) se manifestaram nos textos, nas relações históricas que se confundiam com aqueles “agoras”.
Assim diziam: “Numa sociedade onde somente agora se admite não existir igualdade entre as pessoas, o preconceito velado é uma forma muito mais eficiente de discriminar, desde que essas pessoas ‘saibam’ e fiquem no seu lugar.” Parecia até um salmo. Será que eu não estou sabendo qual é o meu lugar? Pode ser. Devia ter ficado em casa.
Levantei, pensei em esticar as pernas. Nesse momento, deixando o DaMatta um pouco de lado (precisava compreender o que ele estava querendo me dizer), peguei um cafezinho, acendi um cigarro e fui até a margem da rua – senti que meus espíritos estavam inflamáveis, por isso fumei longe – quando, ao acaso, unidas pelas mãos, vi passar duas mulheres. No entanto, não foram elas que me engordaram a atenção. O que me encheu os olhos foi a atitude de uma senhora que vinha logo atrás delas. Persignou-se (fez o “sinal da cruz”) ao movimento de uma simples troca de beijo entre aquelas pessoas. Persignei-me para perseguidora ‘persignadora’, também. De imediato, baixei a cabeça e pensei: “Hoje não é mesmo o meu dia. Caramba!”.  
Então, sei que não devia, mas fiquei costurando as cores daquela pequena epopeia, minha aventura desde minha casa até ali. Voltei para dentro do posto. Peguei o jornal local, acordei o texto que dormia em minha coluna daquele dia, reli e algo me ‘reacordou’: “Vadiar também é preciso” – confesso que me impressionou aquela frase, frase que eu mesmo havia escrito. Que coisa, mesmo de folga, meus pensamentos ainda não sabiam fazer o que aquele outro exigia de mim. Não dava para vadiar, eles (os pensamentos) trabalhavam naquele mesmo espírito que carregava a acepção mais antiga do termo trabalho. Baú que o antropólogo me fez abrir hoje pela manhã: o de tripalhare, que significa castigar com o tripaliare, palavra que origina esta: ‘trabalhar’.  
Ah! Depois me perguntam por que levo a vida como ermitão. Espero que estas pequenas horas para fora de casa possam ter respondido por mim. O que, para encerrar, parodio com uma passagem escrita por Homero. Acho que é assim:
Meu nome é Ninguém, Polifemo. Se alguém perguntar, diga que Ninguém ficou chateado com sua maneira caolha de "pouco-ver" as pessoas. Afinal, Ninguém é pessoa, ora!
Vai um vinho, aí?

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