Bom, dá para imaginar um presente melhor? Eu mesmo,
geralmente em um impulso involuntário, acabo sempre caindo no abismo de ter que
dar um livro que gosto a alguém. Sabe, acho que não somos nós, mas eles que
volta e meia resolvem mudar de rumo e de casa. O que não considero um total
abandono, já que uma vez lidos acabam morando para sempre ali por dentro da
gente – seus desassossegos desassossegam outras partes e assim nunca mais nos
deixam sossegar.
Quando era criança, por exemplo, tinha um pouco de
raiva em ganhar roupas (ainda não conhecia os livros). Nossa! Naquele tempo queria
mesmo eram brinquedos, ora! Por que ninguém entendia isso?! A coisa toda era
tão bem vestida que, arrumadinha, sempre respeitava a seguinte ordem: no Natal,
roupas; na Páscoa, roupas; no aniversário? Adivinha. Sim, acertou. Roupas. Não,
nada de bonecos ou carrinhos de fricção. Mesmo assim confesso que me sai bem,
ao menos tinha certa fertilidade na imaginação, certa nudez. Pegava uns
prendedores de roupas, abria-os ao meio... e eis que surgiam bonequinhos carregando mochilas atômicas. Minha mãe desaprovava, claro. Afinal de contas,
prendedores são para prender as... Adivinhou? Pois é.
Contudo, já fui bem mais ousado. Certa vez encafifei
que era o Superman. Tirei a roupa, pus uma cuequinha vermelha e, com uma camisa
do meu pai abotoada no pescoço, saí pelo mundo a voar. Só que eu não estava
satisfeito. Para provar que minha visão era também de raio x, pus uma venda nos
olhos e comecei a andar. O objetivo era virar certinho na entrada de casa.
Pena, um pouco antes havia um esgoto, na época, a céu aberto e – entre outras coisas
(muita bosta) – cheio de cacos de vidro. Caminhei, caminhei... e puf! Acordei
horas depois dentro de uma bacia. Que vergonha, o Super-Homem acordara pelado
na frente de uma meia-dúzia de curiosos enquanto sua mãe o lavava por causa da sujeira e do sangue. É, meus amigos, desmaiar é como
morrer, desligamos mesmo! Bah! Até hoje, toda vez que olho para o espelho, lá
está ela: a cicatriz do corte bem no meio da testa do homem de aço. Nem preciso
dizer que resolvi deixar essas coisas para os quadrinhos e para o cinema, há
dublês por lá. Decidi que era mais seguro.
Mas cresci e descobri que não precisaria mais me
quebrar tanto para voar ou enxergar através das coisas. Ao ler o primeiro
livro, passei a observar o que havia de errado em mim. Nada, ué? Apenas queria
voar. O que têm de errado nisso? Nas palavras estava tudo o que precisava. Não
havia mais necessidade de quebrar ossos. Dali para frente passe a ler como um
louco, agora, cheio de lucidez... Li, e li, e li... até encontrar a poesia. Ah!
Então aquele mundo afora se tornou cheio de lonjuras e, inclusive, até nos
cricrilos dos grilos já podia vislumbrar um motivo para relembrar dos tempos em
que me encontrava sozinho com meus prendedores atômicos. Tudo me clareou. Incrível,
o bem que isso me fez também me move a presentear pessoas que considero malucas
e que, exatamente por isso, tenho admiração. Roupas não. Livros. Pois só eles é
que sabem nos vestir por dentro, que é onde importa mais. A moda não está em ovos
de chocolate ou em ricos vestuários embrulhados em grandes caixas debaixo de um
pinheiro de canto de sala. A moda é dar
livros de presente. Sim, livros mesmo! Uma vez que são brinquedos, e quem sabe
brincar direitinho com eles está na moda, fica sempre no melhor estilo do "consigo-mesmo".
A propósito, não me importo em ganhar livros. A não
ser que me queira ver quebrando a cabeça outra vez... Quer? Não faria isso
comigo, não é?
Fica a dica!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Divida conosco suas impressões sobre o texto!