Amei uma gata. Digo no sentido literal, uma gata
mesmo. Pode até ser que algumas pessoas leiam estas linhas com olhos esquivos e
zombeteiros. Entendo todas, só não me peçam para compreender. Para isso preciso
me esquecer do que vivi e ser um pouco frio ao enxergar como piada esta
situação. Ando cego para esse tipo de visão. As memórias não me deixam te
acompanhar nisso. Desculpem!
Como posso? Basta que eu levante a cabeça para dar
de cara com uma fotografia. Ela não esconde somente um momento, o desenho implode-se
até um “não-mais-ser” que só volta a ser nos pensamentos de quem ficou aqui a
explodir tanta saudades redondas. É como se jogássemos uma pedrinha num lago
calminho. Os círculos vão crescendo e fazendo florescer boa parte do que estava
quieto. Quando isso acontece conosco, inevitavelmente, o peito se esvazia de
tanto estar cheio, mesmo que dentro da gente ele aconteça ao contrário: ao invés
das ondas arredondarem-se para longe, elas vêm abraçando o coração até sufocá-lo
todinho naquele silêncio de “pedra-jogada-no-lago”.
Enquanto escrevo, meus amigos, os dedos é que
enxergam por mim. Acompanham o que dito num dedilhar de pouca música, mas de
muita tristeza. Faz dois anos que congelei naquela foto uma amiga que veio ao mundo
só para ler Mia Couto comigo. Pretensão? Não. Só quem esteve perto pode
confirmar isso. Contar sobre as longas noites em que passamos nos clareando nas
leituras desse autor que carrega o Mia de gato. Coincidência gostarmos tanto
dele. Por isso não explico o gosto que nos fez existir. Acho que só existimos, e pronto. Tinha que ser.
Ah! quando ela morreu, logo após ter me deixado seguro
em minha defesa de Mestrado, passei umas duas semanas sem conseguir decifrar ao
menos uma linha. Havia desaprendido a ler sozinho, esqueci um pouco da vida
para também morrer um pouquinho. Entretanto, intencionando trapacear a morte
(Sísifo foi o primeiro), mandei imprimir uma fotografia dela. No início rolei
uma pedrona para o alto de uma montanha. Contudo, o tempo foi fazendo com que o
fardo fosse se tornando mais leve, até finalmente poder retomar minhas leituras.
Sarei, mesmo que às vezes a saudade me aperte um pouco as costelas. Mestre eu?
Não, amigos, a Mestre foi embora quando sentiu que os espíritos haviam se
afinado em mim. Eu disse Mestre? Quis dizer Maestrina, aquela que soube reger uma
orquestra inteira num conserto bem concertado.
Enfim, agora já podem rir, pois sim, amo uma gata (a
Sofia). No presente mesmo, uma vez que esse amor não respeita nem mesmo a morte.
Engraçado, não é?!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Divida conosco suas impressões sobre o texto!