Enquanto preparava algumas aulas de língua
portuguesa, algo me ocorreu no exato momento em que decidi buscar um pouco de
ar puro. Fui até a frente de casa, respirei um pouco e percebi o passado
desenferrujando na rua: era um menino andando de bicicleta. Acho que brincava
de motociclista, já que produzia com a boca os sons que costumam fazer os motores.
Imediatamente entrei. Revirei minhas coisas e abri um livro, a “Gramática
expositiva do chão”, do poeta Manoel de Barros. Ao acaso, parei na seguinte
estrofe de um dos poemas: “O homem de lata/ está todo estragado/ de borboletas.”
Verdade, naquele momento eu estava mesmo inutilizado por elas e pelo o que
aquela criança de bicicleta me fez recordar. Em meu tempo cortávamos tampas de
potes de margarina e as prendíamos perto das rodas para produzirem os mesmos sons
que o rapazinho ali da rua passou sonhando pela boca. Elas (as tampas)
borboleteavam para longe, lonjuras que só uma criança é capaz de chegar através
da música que os raios das rodas produziam naqueles motores inventados.
Mas voltei ao trabalho e tudo clareou. O homem de
lata, o gramatiqueiro professor de português, imediatamente chispou para longe
as borboletas. A metalurgia daquele atual espírito precisava se concentrar em
coisas mais ‘sérias’, tal como a estrutura gramatical das frases. E não, não
podia gastar mais tempo com absurdos de um poema que só me fez perder o foco.
Quem quer saber sobre meninos que sonhavam demais? Homens de latas não
interessavam no momento. Não sou um. O único que conheci esteve no “Mágico de
Oz”, ele, até onde eu me lembro, buscava um coração de verdade. Só que preciso
desenferrujar e voltar ao trabalho. Está aí. Para não perder o momento,
aproveito. Boa frase para uma análise morfossintática. Vou utilizar:
(Atenção: minhas borboletas sugerem que tu pules o
próximo parágrafo).
“O menino sonhava muito.” Vejamos! Aqui temos uma oração
absoluta ou período simples – isso por apresentar apenas um verbo em sua
estrutura. “O”, é o adjunto adnominal do núcleo do sujeito (menino). “Sonhava”,
verbo intransitivo direto acompanhado por um adjunto adverbial, a palavra “muito”.
Pois bem, horizontalmente é isso (chamam também de sintagma, ou análise
sintática – como queira). Chata esta verificação? Ah! Mas não acabou. Observem
agora na vertical, na paradigmática (morfológica): “O”, artigo definido. “Menino”,
substantivo simples. “Sonhava”, verbo no pretérito imperfeito do indicativo, ele
está na terceira pessoa do singular.
Parei e perguntei a este meu lado metálico: “Mas
senhor homem de lata, e o menino?” “Que menino? Ah, o sujeito da oração?!” “Não.”
– respondi – “O menino que éramos e que sonhava naquele motorzinho de
borboletas cheio de imaginação. Aquele que tinha coração! Lembrou?” “Não.”
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