“Todos estamos sozinhos por debaixo das peles.”
(Paulo Autran)
Nunca procurei desafiar
as pessoas. Elas são difíceis de ler – salvo quando estão em grupo. Sozinhas
são intransponíveis, admito. Não há motivo para se perderem. Contudo, quando
alguém se aproxima, abre-se um buraco, uma lacuna na qual se perde quase tudo para
ganhar os olhos daquele que faz o mesmo para poder existir. Aí fica fácil para
quem acompanha os movimentos. E eis que o “penso, logo existo” faz todo o
sentido. Sim, temos medo do que vão pensar de nós. Dá para sentir nos rostos, nos
ânimos. Falta-nos chão debaixo dos pés, sobretudo se o ser que chega já está
perdido dentro de si mesmo, viciado em não ser mais ele próprio.
Explico: De tanto vivermos
na tentativa de criar imagens para os demais, acabamos nos esquecendo da
essência. Claro que somos uma soma, construções que estão constantemente se
refazendo pelo contato. Mas o perder-se ao qual me refiro – podem apostar! – é
o contrário disso. É o deixar-se de lado para viver o que o próximo deseja de
mim, tal como espelho, uma cópia.
Tenho um amigo que é
mago nessa arte (a da existência). Envolve-nos tão suavemente dentro de sua
filosofia que até quem não gosta deixa de viver um pouco para existir em sua
fala. Perigoso, já que conhece um dos infernos mais férteis de todos – o
pesadelo existencial. Sartre escreveu: “O inferno é o outro.” Por isso que o
cuidado deve ser extremo ao arrecadar tanta atenção. Um só desvio e acabamos
desenvolvendo o que determinado ouvinte mais teme dentro de si mesmo. Lembrando
que, encantado, ele vai ouvir conforme sua afinação. Não saberá distinguir uma
ideia de fora, de uma de dentro.
Nessa mesma linha,
Sócrates, o filósofo (não o jogador), conseguia manter seu público. Primeiro
ele ouvia. Uma vez em poder da voz, não retornava mais, usava a existência dos
falantes para fazer brotar uma nova, a sua. O erro de todos foi terem deixado
falar tanto. Ele existiu. Tanto que todos sabem quem ele foi, mesmo depois de tanto
tempo. Quem foram os demais? Perderam-se os nomes.
Enfim, quero dizer com
isso que se
expomos nossas armas é porque não vamos usar. Não é possível que alguém atire
por nós, que encontre tiro onde não houve disparo. Acontece. É o inferno
sartreano. Jamais escreveria isso se tivesse tal intenção, nunca deixaria às
claras se fosse tão importante para mim. Pois, pasmem! Só quero existir em paz.
Não há mito para se instaurar. Só o que, demasiado, deixa vazar o humano. O que
fica é um silêncio denso, fechado. Silêncio enlouquecido para ser engravidado
por um barulho que passa.
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