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segunda-feira, 27 de julho de 2015

SÓ EXISTIR...

“Todos estamos sozinhos por debaixo das peles.”
(Paulo Autran)

Nunca procurei desafiar as pessoas. Elas são difíceis de ler – salvo quando estão em grupo. Sozinhas são intransponíveis, admito. Não há motivo para se perderem. Contudo, quando alguém se aproxima, abre-se um buraco, uma lacuna na qual se perde quase tudo para ganhar os olhos daquele que faz o mesmo para poder existir. Aí fica fácil para quem acompanha os movimentos. E eis que o “penso, logo existo” faz todo o sentido. Sim, temos medo do que vão pensar de nós. Dá para sentir nos rostos, nos ânimos. Falta-nos chão debaixo dos pés, sobretudo se o ser que chega já está perdido dentro de si mesmo, viciado em não ser mais ele próprio.  
Explico: De tanto vivermos na tentativa de criar imagens para os demais, acabamos nos esquecendo da essência. Claro que somos uma soma, construções que estão constantemente se refazendo pelo contato. Mas o perder-se ao qual me refiro – podem apostar! – é o contrário disso. É o deixar-se de lado para viver o que o próximo deseja de mim, tal como espelho, uma cópia.
Tenho um amigo que é mago nessa arte (a da existência). Envolve-nos tão suavemente dentro de sua filosofia que até quem não gosta deixa de viver um pouco para existir em sua fala. Perigoso, já que conhece um dos infernos mais férteis de todos – o pesadelo existencial. Sartre escreveu: “O inferno é o outro.” Por isso que o cuidado deve ser extremo ao arrecadar tanta atenção. Um só desvio e acabamos desenvolvendo o que determinado ouvinte mais teme dentro de si mesmo. Lembrando que, encantado, ele vai ouvir conforme sua afinação. Não saberá distinguir uma ideia de fora, de uma de dentro.
Nessa mesma linha, Sócrates, o filósofo (não o jogador), conseguia manter seu público. Primeiro ele ouvia. Uma vez em poder da voz, não retornava mais, usava a existência dos falantes para fazer brotar uma nova, a sua. O erro de todos foi terem deixado falar tanto. Ele existiu. Tanto que todos sabem quem ele foi, mesmo depois de tanto tempo. Quem foram os demais? Perderam-se os nomes.
Enfim, quero dizer com isso que se expomos nossas armas é porque não vamos usar. Não é possível que alguém atire por nós, que encontre tiro onde não houve disparo. Acontece. É o inferno sartreano. Jamais escreveria isso se tivesse tal intenção, nunca deixaria às claras se fosse tão importante para mim. Pois, pasmem! Só quero existir em paz. Não há mito para se instaurar. Só o que, demasiado, deixa vazar o humano. O que fica é um silêncio denso, fechado. Silêncio enlouquecido para ser engravidado por um barulho que passa.   

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