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sexta-feira, 17 de julho de 2015

VOZES QUE NOS RELIGAM

Rezar é uma forma de pensar no outro, mesmo mediado pelo murmúrio silencioso de alguma solidão que, antes de dormir, se ajoelha contigo na beiradinha da cama.  

Acostumei meus sábados pela manhã com o chimarrão servido na casa de meus pais. Só que não neste. A esta altura devem estar em outras distâncias, mais precisamente em São Paulo, visitando a cidade de Aparecida do Norte – se não ando perdido entre o tempo e o local de destino de suas andanças.
Diferente deles, todos sabem, sou um ser descarregado de crenças e religiões. Em meu templo habitam outras palavras, não as sacras, algumas pouco mais afastadas dessas verdades. Claro que sinto falta, minhas memórias estão cheias disso, tanto que me abasteço em vozes cheias de fé que se mostram nas conversas entre mim e meus ‘velhos’. Elas me encantam, confesso, mesmo as ouvindo com outras afinações (descrente, como já afirmei, não me furto, a arte sempre me inquietou, sendo assim, amo as composições barrocas, religiosas na essência, sobretudo, preciso dizer, as de Johann Sebastian Bach). Se necessárias para eles (meus pais), me faço ouvidos sem pestanejar a boca. Sinto-me muito jovem para falar sobre, encima das falas deles. Ouço-os como se regessem cantatas escritas por um grande compositor. Isso eu posso fazer.
Pois é, as crenças populares são belas, enfim. Isso eu admito. Ainda me lembro de minha avó nos mandando entrar quando via um redemoinho de vento varrendo a rua. Dizia que era o capeta e que precisávamos rezar. O engraçado é que só depois de maduro soube encontrar em um livro os mesmos medos em um personagem de Guimarães Rosa (ali, no “Grande sertão: veredas”) – lembrando que a Mercedes (este era o nome dela) era analfabeta. Quanta boniteza havia na simplicidade dessa Mercedita! Religo suas imagens às minhas memórias, isso sem desfiar nenhum rosário, ou tentando não rompê-lo.
Também não é raro encontrarmos na literatura, mesmo que ironicamente, elementos que se mantêm acessos dentro da cultura popular. Se não me acredita, leia um Machado de Assis, um Jorge Amado, um Rosa. Perdi até as contas das vezes que perguntei para minha mãe: “Quem foram Cosme e Damião?” “Santa Rita representa o quê?” Precisava disso para entender mais profundamente os elementos que ansiavam dizer mais, fragmentos estes que escondiam um universo inteiro de vozearias.  

Então, não me estendo mais, agora fico. Brusco assim. E não, não vou rezar – se é o que pensa. Só escrevi para me revisitar um pouco. Agradeço a companhia!  

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