O amor vira madrasta ao nos perceber para fora de
seu reflexo. Espelhos são frágeis, não negam beleza a quem os pode quebrar - só
que não somos espelhos.
Se as imagens não acompanhassem
nossos movimentos, as odiaríamos – nos odiaríamos nelas. Cada um de nós é uma
legião de males e de benes – somos mestiços. Os olhos não
sabem enxergam isso, uma vez que a convivência duradoura acontece quando o
outro é inspirado a nutrir certa vontade de ser ele mesmo quando está contigo –
sem cobranças de ser o que você espera ou deseja ver. O contrário disso é o
ódio, este irmão mais velho da tolice e do narcisismo. Amar os outros, às vezes,
exige que nos deixemos um pouco de lado.
Dia desses li esta
frase na rede social: “Seja você aquele que gostaria que estivesse por perto.”
E vai saber se alguém desejaria de fato o que eu quero de mim... Estranho,
ainda bem que temos as diferenças para nos afinar: uma corda toca dó, a outra
ré, mi, fá, sol, lá, si, e seus interstícios! O que eu quero nem sempre é bom
para você. Pois então. Minhas
construções fizeram de mim o que sou: parte daqui, de ti, dali, do Sol, do dia,
da Lua, da noite... Amanhã serei mais outros. Só peço uma coisa. Todos somos um
mar, se me tiveres demais, morrerás afogado, ou – como eu – navegarás à deriva
por aí, já que mesmo necessitando uns dos outros, eu sou eu, você é você. Sim,
queria que os olhos todos funcionassem, também, de fora pra dentro, já que
qualquer
julgamento desanda pobre quando tiramos a base somente por nós.
Enfim, já fomos
tantos que até dá para perder as contas. Todos fomos, tanto os de mim quanto os
que habitam em ti. O problema é saber lidar com tamanha multidão, porque só o
tolo vê apenas uma pessoa, os que sabem (ou tentam) se ler, assustam-se por ter
a consciência de que faltam olhos para tanta gente que mora por detrás de cada
sorriso. Se há muitas verdades – ora bolas! –, também existem muitas maneiras
de sorrir. Até mesmo a tristeza sorri
para alguma coisa, mesmo não sendo nítido para a cegueira de nossa visão.
Tenho medo dos
espelhos. Eles podem condenar construções – os outros é que nos alcançam tijolos
e nós a eles. Amar demasiadamente a si mesmo, não pode ser bom, como ocorre em
qualquer tipo de excesso. É a ruína, o abandono da obra.
Então, para inquietar
ainda mais, encerro com Fernando Pessoa:
"Nunca amamos
alguém. Amamos, tão somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito
nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos."
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