Para ouvir colorido ou povoar os olhos de mundos,
queria ser poeta ou músico.
Tudo
parece bem. Meu cachorro brinca no gramado. Bem ali na poltrona o gato ronrona
enquanto se lambe. A janela continua com aquele desejo de ser pintura. O Sol aponta
um dedo escapado por uma fresta do céu. Alguns livros ainda estão sobre a mesa,
abertos como se pedissem leitura. Caneta a postos. Rascunho. Pois então! O
cenário parece favorecer para mais um dia claro, para mais uma crônica que
insiste em acontecer. Prioridade? Há muitas! Mas nem o cachorro, nem o gato,
nem a janela, nem o Sol, nem os livros, nem a caneta, nem os rascunhos me
deixam seguir. Tudo se desenha para que eu aconteça uma nova verdade. E sabe
como é. Os temperos precisam de medida, de certa minúcia. Uma pitada a menos ou
a mais é o bastante para que a coisa toda desande, ‘desaconteça’. Difícil fazer
sentir só com as palavras. Elas não têm rostos. Poderiam ter olhos, já
facilitariam bastante. Não tendo, seguimos desenhando para ver se nos afinamos
no tempo e nos sentidos.
Confesso
que diante de mim há também um poema. Poema que foi selecionado entre tantos
outros para estar morando dentro de um livro, obra que, neste momento, fala
comigo. Mastigo alguns dos versos. Tento ouvir o som que ele faz entre meus
dentes. O gosto que tem. Ora, bolas! O Sol acaba de entrar em meu quarto. Era o
que eu precisava. Será que foram os versos deste poeta?
Outro
dia ainda falei sobre isso com uma amiga. “Não consigo vestir minhas imagens
com as roupas finas que o poema pede.” Não que me importo tanto assim com
roupas, sou como Diógenes, o Cínico. Ando nu. Mesmo assim, não pense que nunca
tentei vestir meus pensamentos com a calça de alguma estrofe, ou com a camisa
de seda daquele soneto bonito do tipo que só vemos em Shakespeare, Camões e
Florbela Espanca. Nem o cinto daqueles versos serve em minhas ‘escrevinhações’.
Apertam o que preciso dizer. Sou gordo demais.
Contudo,
uso da crônica para falar em um amigo que nega o que não sei fazer – o poema selecionado
daquele livro saiu de seus dedos. Entretanto, nega-se a ser, a admitir que as
roupas lhe caiam bem (até o Sol espiou um pouco comigo). Quando se aventura em
dizer, diz versando. Diferente de mim que só ponho ovos. Quando uma ideia
nasce, sobram cascas para todo o lado. A ave sai, mas não é ave que fiz nascer.
As cascas é que são minhas. O amigo é que sabe revestir de penas os passarinhos
que saem ao mundo e que preciso mostrar. Mostro, mas é ele quem o faz voar.
Acho
que preciso parar. Encasquei demais este texto. Só queria que o amigo-poeta não
desistisse. Meu negócio não são asas. Meu céu é o chão. O teu, albatroz, é lá
no alto. As estrelas gostam de ficar mais perto dos poetas. Também gosto. É por
isso que escrevo, mesmo que minha poesia seja pelada, que não caibam no poema.
Ah, senhor alfaiate, queria saber sentir o mundo como sentem as suas mãos de tecelão.
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