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quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O CRONISTA E O POETA

Para ouvir colorido ou povoar os olhos de mundos, queria ser poeta ou músico.

Tudo parece bem. Meu cachorro brinca no gramado. Bem ali na poltrona o gato ronrona enquanto se lambe. A janela continua com aquele desejo de ser pintura. O Sol aponta um dedo escapado por uma fresta do céu. Alguns livros ainda estão sobre a mesa, abertos como se pedissem leitura. Caneta a postos. Rascunho. Pois então! O cenário parece favorecer para mais um dia claro, para mais uma crônica que insiste em acontecer. Prioridade? Há muitas! Mas nem o cachorro, nem o gato, nem a janela, nem o Sol, nem os livros, nem a caneta, nem os rascunhos me deixam seguir. Tudo se desenha para que eu aconteça uma nova verdade. E sabe como é. Os temperos precisam de medida, de certa minúcia. Uma pitada a menos ou a mais é o bastante para que a coisa toda desande, ‘desaconteça’. Difícil fazer sentir só com as palavras. Elas não têm rostos. Poderiam ter olhos, já facilitariam bastante. Não tendo, seguimos desenhando para ver se nos afinamos no tempo e nos sentidos.
Confesso que diante de mim há também um poema. Poema que foi selecionado entre tantos outros para estar morando dentro de um livro, obra que, neste momento, fala comigo. Mastigo alguns dos versos. Tento ouvir o som que ele faz entre meus dentes. O gosto que tem. Ora, bolas! O Sol acaba de entrar em meu quarto. Era o que eu precisava. Será que foram os versos deste poeta?
Outro dia ainda falei sobre isso com uma amiga. “Não consigo vestir minhas imagens com as roupas finas que o poema pede.” Não que me importo tanto assim com roupas, sou como Diógenes, o Cínico. Ando nu. Mesmo assim, não pense que nunca tentei vestir meus pensamentos com a calça de alguma estrofe, ou com a camisa de seda daquele soneto bonito do tipo que só vemos em Shakespeare, Camões e Florbela Espanca. Nem o cinto daqueles versos serve em minhas ‘escrevinhações’. Apertam o que preciso dizer. Sou gordo demais.
Contudo, uso da crônica para falar em um amigo que nega o que não sei fazer – o poema selecionado daquele livro saiu de seus dedos. Entretanto, nega-se a ser, a admitir que as roupas lhe caiam bem (até o Sol espiou um pouco comigo). Quando se aventura em dizer, diz versando. Diferente de mim que só ponho ovos. Quando uma ideia nasce, sobram cascas para todo o lado. A ave sai, mas não é ave que fiz nascer. As cascas é que são minhas. O amigo é que sabe revestir de penas os passarinhos que saem ao mundo e que preciso mostrar. Mostro, mas é ele quem o faz voar.
Acho que preciso parar. Encasquei demais este texto. Só queria que o amigo-poeta não desistisse. Meu negócio não são asas. Meu céu é o chão. O teu, albatroz, é lá no alto. As estrelas gostam de ficar mais perto dos poetas. Também gosto. É por isso que escrevo, mesmo que minha poesia seja pelada, que não caibam no poema. Ah, senhor alfaiate, queria saber sentir o mundo como sentem as suas mãos de tecelão. 

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