- Papai, inventei uma poesia.
- Como é o nome?
- Eu e o Sol. [...].
(Clarice Lispector)
Nesta semana, como
sempre faço, aproveitei uma folga entre as aulas para visitar a biblioteca da
Escola – os professores chamam esses momentinhos de ‘janelas’. Nada mais justo,
já que nos debruçamos sobre aqueles tempos e olhamos para fora, respiramos. Não
que nossas disciplinas sejam penosas (creio que ninguém pense assim). Pelo
contrário. É justamente a hora que temos para pensarmos um pouco mais nelas. Às
vezes, motivados pela troca, conversamos entre nós. Em outras, refletimos
sozinhos em algum canto de nós mesmos ou de algum dos lugares dali. Cada qual
procura afinar-se da maneira que acha melhor. Quanto a mim, não é raro, sempre
que posso frequento a biblioteca para ver se algum mundo daqueles saiba tocar
alguns dos espíritos que carrego. Ah, e sempre tocam, sempre um toca! Da última
vez, inclusive, recebi um chamado. Enquanto conversava com a colega que cuida
do setor (ela ama aquele espaço), mostrou-me, em meio a tantos títulos, um
livro que me sorriu. “Acho que vai gostar desse, Dilso!” Tratava-se de um
tambor silencioso e que estava louco para me barulhar: era o coração da Clarice
Lispector.
Costumo me referir a
nossa bibliotecária como bruxa. Ela parece lançar feitiços nas obras. Sabe
convencer a qualquer um. Fala encantada sobre o que leu. Dá vozes àqueles quietinhos
que querem ser levados. Guardiã excepcional, se o leitor me permite dizer. Bom,
levei. E já nas primeiras páginas li algo do tipo: “Não se trata de literatura,
mas de bruxaria. Não foi por acaso, não custa lembrar, que, no ano de 1975, a
escritora foi uma das convidadas para o I Congresso Mundial de Bruxaria,
realizado em Bogotá.” Bom, a feitiçaria havia começado muito antes de eu abrir
aquele livro. Feitiço?
Naquele dia mesmo,
comecei a ler. Ele pede nossas vozes interiores, porém – confesso – continuei a
leitura em voz alta. Impossível perceber “os-pertos-da-selvageria-do-coração”
de Clarice sem se envolver, sem imergir em si mesmo, sem se ver
nas imagens dela. Explico: O livro, “Perto do coração selvagem”, foi o primeiro
que escreveu, tinha por volta de 22 anos. O que me assusta pela maturidade
daquela juventude. Uma vez que o capítulo no qual a personagem (Joana) fala com
o pai, tenta fazer com que ele entenda sua condição de “ser-criança”, é
exatamente o que muitas vezes faço ao ser interrompido por minha filha mais
nova, a de oito anos de idade. Tal como o pai da história, não soube deitar o 8
e fazê-lo ‘infinitar’ (∞) naquela vozinha que me pedia atenção. Como ele,
confesso que subestimo...
Putz! Acabo de
perceber. Vou fazer isso. Fecho o livro. Largo este texto e vou ver se os “logo-alis”
de minha Joaninha ainda têm espaço pra mim. Não quero ser o pai que engorda decepções
e deixa que as selvas invadam a nenhum coraçãozinho.
Ah, Lispector! Tu foste
uma bruxa mesmo! Ainda é.
Vou indo. Preciso dar
um jeito na vida...
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