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sábado, 15 de agosto de 2015

MAIS PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM

- Papai, inventei uma poesia.
- Como é o nome?
- Eu e o Sol. [...].
 (Clarice Lispector)

Nesta semana, como sempre faço, aproveitei uma folga entre as aulas para visitar a biblioteca da Escola – os professores chamam esses momentinhos de ‘janelas’. Nada mais justo, já que nos debruçamos sobre aqueles tempos e olhamos para fora, respiramos. Não que nossas disciplinas sejam penosas (creio que ninguém pense assim). Pelo contrário. É justamente a hora que temos para pensarmos um pouco mais nelas. Às vezes, motivados pela troca, conversamos entre nós. Em outras, refletimos sozinhos em algum canto de nós mesmos ou de algum dos lugares dali. Cada qual procura afinar-se da maneira que acha melhor. Quanto a mim, não é raro, sempre que posso frequento a biblioteca para ver se algum mundo daqueles saiba tocar alguns dos espíritos que carrego. Ah, e sempre tocam, sempre um toca! Da última vez, inclusive, recebi um chamado. Enquanto conversava com a colega que cuida do setor (ela ama aquele espaço), mostrou-me, em meio a tantos títulos, um livro que me sorriu. “Acho que vai gostar desse, Dilso!” Tratava-se de um tambor silencioso e que estava louco para me barulhar: era o coração da Clarice Lispector.
Costumo me referir a nossa bibliotecária como bruxa. Ela parece lançar feitiços nas obras. Sabe convencer a qualquer um. Fala encantada sobre o que leu. Dá vozes àqueles quietinhos que querem ser levados. Guardiã excepcional, se o leitor me permite dizer. Bom, levei. E já nas primeiras páginas li algo do tipo: “Não se trata de literatura, mas de bruxaria. Não foi por acaso, não custa lembrar, que, no ano de 1975, a escritora foi uma das convidadas para o I Congresso Mundial de Bruxaria, realizado em Bogotá.” Bom, a feitiçaria havia começado muito antes de eu abrir aquele livro. Feitiço?
Naquele dia mesmo, comecei a ler. Ele pede nossas vozes interiores, porém – confesso – continuei a leitura em voz alta. Impossível perceber “os-pertos-da-selvageria-do-coração” de Clarice sem se envolver, sem imergir em si mesmo, sem se ver nas imagens dela. Explico: O livro, “Perto do coração selvagem”, foi o primeiro que escreveu, tinha por volta de 22 anos. O que me assusta pela maturidade daquela juventude. Uma vez que o capítulo no qual a personagem (Joana) fala com o pai, tenta fazer com que ele entenda sua condição de “ser-criança”, é exatamente o que muitas vezes faço ao ser interrompido por minha filha mais nova, a de oito anos de idade. Tal como o pai da história, não soube deitar o 8 e fazê-lo ‘infinitar’ (∞) naquela vozinha que me pedia atenção. Como ele, confesso que subestimo...
Putz! Acabo de perceber. Vou fazer isso. Fecho o livro. Largo este texto e vou ver se os “logo-alis” de minha Joaninha ainda têm espaço pra mim. Não quero ser o pai que engorda decepções e deixa que as selvas invadam a nenhum coraçãozinho.  
Ah, Lispector! Tu foste uma bruxa mesmo! Ainda é.
Vou indo. Preciso dar um jeito na vida...  

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