A vida é quem veste de poesia os poemas.
Hoje me lembrei de um
cachorro que meu avô havia conseguido. Resolveu chamá-lo de Respeito. Ninguém nunca
soube exatamente se por ironia livre, ou se apenas vestiu uma malícia com algum
“querer dizer” mais pessoal. Ah! Eu me divertia muito com seu bom humor. Meio
espirituoso – confesso! –, mas que apesar de sisudo em determinadas situações
(tinha “Severo” no sobrenome), gostava de seus netos, isso ninguém pode negar.
Acho que ele tentava consertar a desafinação dos concertos vividos junto aos
filhos.
Conto:
Os tempos eram outros.
As verdades se perfumavam diferentes dentro daquele idoso chamado “Depois-de-ontem”.
O medo se confundia com o amor. Quanto ao ódio, este já era comum.
Principalmente depois de uma “tunda de laço” – nem todas justas. Não havia
ouvidos dentro da condição em que se encontravam. Não o censuro, nego-me a
cometer atemporalidades, uma vez que a prole era tão grande quanto o mundo de
necessidades enfrentadas, e sabemos: isso afeta profundamente um homem. Era difícil
repartir carinho, havia muitas crianças. Vidas arenosas, eu sei. E “a
felicidade é uma questão de pontaria” (Mia Couto). O velho desapontou. Depois
tentou apontar-se no apontar para outros alvos, que fomos nós: os netos. Acho
que conseguiu. Ao menos eu amei o que ele havia se tornado – e nós, de certa
forma, fomos sua redenção. Não conheci o outro (o pai), ao menos não pelos meus
dedos.
Isso dá até certa
saudade do cafezinho que minha avó demorava a passar para o Dori (É! Lembra DOR
sim...). Valia o tempo, o cheiro e o gosto, pois sabor e saber são cores
impossíveis quando damos exclusividade à visão. Confiar só nos olhos é a forma
mais rápida e miserável de empobrecer-se por completo, já que as cores são mais
ricas quando o corpo todo colabora para esticar o mundo. Por isso resolvi vestir
as lembranças, engordá-las, dar alma, delegar corpo a elas. Preferi sentir
democraticamente o que as interioridades iam ditando. Vida besta! Abri meu avô para vocês. Vesti-me
de sentidos para torná-lo completamente nu. Mas não, não o julguem. Ele sentiu muito
quando seu Respeito morreu. Confundiu o cão ao nome e ajeitou o homem que doía
dentro do Dori. Afinou-se, fez as pazes consigo mesmo, chamou as crianças, e
morreu.
Quanto a mim. Eu tinha
uns dez anos quando a “DOR” ‘desaconteceu’! Não entendi, voltei a brincar. Quando
senti uma dorzinha no peito. E como doeu...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Divida conosco suas impressões sobre o texto!