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segunda-feira, 3 de agosto de 2015

UM CACHORRO CHAMADO RESPEITO

A vida é quem veste de poesia os poemas.

Hoje me lembrei de um cachorro que meu avô havia conseguido. Resolveu chamá-lo de Respeito. Ninguém nunca soube exatamente se por ironia livre, ou se apenas vestiu uma malícia com algum “querer dizer” mais pessoal. Ah! Eu me divertia muito com seu bom humor. Meio espirituoso – confesso! –, mas que apesar de sisudo em determinadas situações (tinha “Severo” no sobrenome), gostava de seus netos, isso ninguém pode negar. Acho que ele tentava consertar a desafinação dos concertos vividos junto aos filhos.
Conto:
Os tempos eram outros. As verdades se perfumavam diferentes dentro daquele idoso chamado “Depois-de-ontem”. O medo se confundia com o amor. Quanto ao ódio, este já era comum. Principalmente depois de uma “tunda de laço” – nem todas justas. Não havia ouvidos dentro da condição em que se encontravam. Não o censuro, nego-me a cometer atemporalidades, uma vez que a prole era tão grande quanto o mundo de necessidades enfrentadas, e sabemos: isso afeta profundamente um homem. Era difícil repartir carinho, havia muitas crianças. Vidas arenosas, eu sei. E “a felicidade é uma questão de pontaria” (Mia Couto). O velho desapontou. Depois tentou apontar-se no apontar para outros alvos, que fomos nós: os netos. Acho que conseguiu. Ao menos eu amei o que ele havia se tornado – e nós, de certa forma, fomos sua redenção. Não conheci o outro (o pai), ao menos não pelos meus dedos.
Isso dá até certa saudade do cafezinho que minha avó demorava a passar para o Dori (É! Lembra DOR sim...). Valia o tempo, o cheiro e o gosto, pois sabor e saber são cores impossíveis quando damos exclusividade à visão. Confiar só nos olhos é a forma mais rápida e miserável de empobrecer-se por completo, já que as cores são mais ricas quando o corpo todo colabora para esticar o mundo. Por isso resolvi vestir as lembranças, engordá-las, dar alma, delegar corpo a elas. Preferi sentir democraticamente o que as interioridades iam ditando.  Vida besta! Abri meu avô para vocês. Vesti-me de sentidos para torná-lo completamente nu. Mas não, não o julguem. Ele sentiu muito quando seu Respeito morreu. Confundiu o cão ao nome e ajeitou o homem que doía dentro do Dori. Afinou-se, fez as pazes consigo mesmo, chamou as crianças, e morreu.
Quanto a mim. Eu tinha uns dez anos quando a “DOR” ‘desaconteceu’! Não entendi, voltei a brincar. Quando senti uma dorzinha no peito. E como doeu...  

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