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sexta-feira, 17 de julho de 2015

VOZES QUE NOS RELIGAM

Rezar é uma forma de pensar no outro, mesmo mediado pelo murmúrio silencioso de alguma solidão que, antes de dormir, se ajoelha contigo na beiradinha da cama.  

Acostumei meus sábados pela manhã com o chimarrão servido na casa de meus pais. Só que não neste. A esta altura devem estar em outras distâncias, mais precisamente em São Paulo, visitando a cidade de Aparecida do Norte – se não ando perdido entre o tempo e o local de destino de suas andanças.
Diferente deles, todos sabem, sou um ser descarregado de crenças e religiões. Em meu templo habitam outras palavras, não as sacras, algumas pouco mais afastadas dessas verdades. Claro que sinto falta, minhas memórias estão cheias disso, tanto que me abasteço em vozes cheias de fé que se mostram nas conversas entre mim e meus ‘velhos’. Elas me encantam, confesso, mesmo as ouvindo com outras afinações (descrente, como já afirmei, não me furto, a arte sempre me inquietou, sendo assim, amo as composições barrocas, religiosas na essência, sobretudo, preciso dizer, as de Johann Sebastian Bach). Se necessárias para eles (meus pais), me faço ouvidos sem pestanejar a boca. Sinto-me muito jovem para falar sobre, encima das falas deles. Ouço-os como se regessem cantatas escritas por um grande compositor. Isso eu posso fazer.
Pois é, as crenças populares são belas, enfim. Isso eu admito. Ainda me lembro de minha avó nos mandando entrar quando via um redemoinho de vento varrendo a rua. Dizia que era o capeta e que precisávamos rezar. O engraçado é que só depois de maduro soube encontrar em um livro os mesmos medos em um personagem de Guimarães Rosa (ali, no “Grande sertão: veredas”) – lembrando que a Mercedes (este era o nome dela) era analfabeta. Quanta boniteza havia na simplicidade dessa Mercedita! Religo suas imagens às minhas memórias, isso sem desfiar nenhum rosário, ou tentando não rompê-lo.
Também não é raro encontrarmos na literatura, mesmo que ironicamente, elementos que se mantêm acessos dentro da cultura popular. Se não me acredita, leia um Machado de Assis, um Jorge Amado, um Rosa. Perdi até as contas das vezes que perguntei para minha mãe: “Quem foram Cosme e Damião?” “Santa Rita representa o quê?” Precisava disso para entender mais profundamente os elementos que ansiavam dizer mais, fragmentos estes que escondiam um universo inteiro de vozearias.  

Então, não me estendo mais, agora fico. Brusco assim. E não, não vou rezar – se é o que pensa. Só escrevi para me revisitar um pouco. Agradeço a companhia!  

terça-feira, 14 de julho de 2015

ESCRITORES DA LIBERDADE

Ser livre é cuidar para que o meu próximo seja liberto comigo, pois quando eu o inspiro, livro mais um que libertará mais outro, e outro...

Ontem fomos surpreendidos por alunos que resolveram deixar as salas mais limpas. Matação de aula? Não mesmo. Saibam que há muito na atitude. Inspiração que move lugares bem mais desenvolvidos do que o nosso. Se pesquisarem perceberão que no Japão isso é bastante comum, portanto, é natural que sua educação acompanhe o mesmo senso de nobreza.
O fato é que se hoje passarem por alguma classe de qualquer uma das turmas da Escola José Alfredo Kliemann (Santa Cruz do Sul), certamente, poderão observar clarões, luzes que nos mostram um futuro bem sólido e cheio de ‘logo alis’. Sim, outro dia todas as manchas foram apagadas das carteiras (tal como já disse) para serem “reescritas” com muito detergente, esponjas, baldes, sorrisos e pequenas mãos de alunos que aprenderam a desenhar uma nova forma de perceber a educação: a do cuidado. Bela lição que tivemos, pois acreditem, não temos mais tempo a perder, já que, de vez em quando, faz-se necessário parar, levantar e agir. Maravilhoso? Exato. Presenciamos uma pequena mudança, breve bater de asas de borboleta que, por ser tão importante, provocou em nossos ânimos uma ventania avassaladora e necessária.
Muitas pessoas poderiam achar a atitude um tanto arbitrária e pouco animadora. Tolos. Mal sabem que a Escola serve justamente para isso. Trata-se de um lugar onde aprendemos, além da matemática, do português... também o verdadeiro princípio da cidadania. E cuidar do que é seu nada mais é do que encher de músculos um amanhã pouco mais rico, palatável e iluminado. Exercitar o cuidado, inclusive, nos faz lembrar o principezinho, de Exupéry: “somos todos responsáveis por aquilo que cativamos”. Eis uma obrigação moral.
Escrever a liberdade com sabão e muito esfrega esfrega é quase uma metáfora, pois se tivermos um ambiente bonito e limpo é provável que possamos avançar um pouco mais por essa estrada tão difícil que se tornou a educação no Brasil. É preciso limpar sempre, e mais. Atitude que parece simples, mas que infelizmente ainda não é. Por isso é bom fazer. Quanto vandalismo não se evita assim!
Enfim, penso que esse é o grau mais elevado e bonito do que podemos chamar orgulhosamente de educar.

Continuemos parando para escrever...   

sábado, 11 de julho de 2015

(G)ATOS

O que me falta em espíritos quem supre é o gato.

Não imagino companhia mais agradável. Mesmo quando meus silêncios estão secos – às vezes nem os ecos desejam abraçar as pedrinhas lançadas ao rio –, lá vêm eles para tornar o ar pouco mais respirável. A “umidade relativa do ar”, como querem alguns meteorologistas, consegue chegar exatamente quando eles chegam. Um molhado invisível, leve, silencioso e, para mim, necessário. Será que funcionam como condicionadores de ambientes?
Há algumas horas, humano que sou, andava triste e cheio de pensamentos ruins (venenos que volta e meia produzimos e entornamos feito vinho). Momentos embriagados fazem o tempo cambalear assim, tal como chute em bola murcha, bola que nos fica presa no pé. Raramente perco os espíritos para essas distâncias, confesso, mas quando perco, não fico, meus gatos não me deixam perambular muito por esse limbo. Vou com eles, abandono meu deserto e acompanho as sete vidas de cada um dos bichanos. Desintoxico.  
Dizem até que, no escuro, os gatos enxergam de 6 a 8 vezes melhor do que nós, mulheres e homens. Mesmo assim – e isso é curioso – são extremamente confiáveis, pois, indiferente desse poder todo, sabem nos avaliar muito além do que parecemos aos seus olhos. Leitores fabulosos, esses bichanos. Os daqui, por exemplo, parecem que farejam quando resolvo preparar os temperos para uma possível cicuta. Aparecem, pulam no colo, olham e depois saem, deixando para trás fantasmas que dizem assim: “vêm conosco, nós te salvaremos!”. Nossa, é um sofrimento em dois Atos. I: a melancolia; Ato II: a lucidez. Bom, pelo menos sinto assim!
Pois então, o gato é ou não é um ser mais magnífico? Penso assim porque além da destreza, da personalidade sincera e dos ânimos autônomos (se maltratá-los não voltam a te olhar), ainda são eternos por não fazerem conta de sua própria morte, não futuram o presente pensando no próprio fim: só os silêncios lhes são caros, só os silêncios vivos e sentidos em um tempo qualquer de algum de seus 'agoras'. Vai ver que é por isso que são tão pouco queridos pelas pessoas: não são submissos, nem barulhentos. Ou eles amam ou te deixam. Negam-se a gastar suas vidas rodando em bajulações vazias. Sim, os gatos são investidores. Contudo, e é o que nos assusta, eles nos fazem lembrar alguns de nossos espíritos mais atávicos, instintivos e recônditos – e isso inquieta, nos incomoda. Ainda bem! 


Enfim, acho que estou melhor. Nada como ter em casa dois purificadores de alma. 

domingo, 5 de julho de 2015

‘OS PRECONCEITUOSOS LADRAM, MAS A MAJUZINHA PASSA.’

“Cada homem é uma raça.”
(Mia Couto)

Somos falhos, se não respeitarmos determinadas regras que nos agridam os bolsos, o mundo se perde e a História volta a se repetir. Infelizmente, por conta de algumas pessoas que gazetearam as aulas dos amigos historiadores, precisamos de regras bem claras para que nos lembremos de que não devemos nos referir às pessoas como macacos, negrinhos, ou coisas do gênero. Tal como a que muitos estão tentando barrar. Aquela em que proíbe a mesma coisa, só que com homossexuais. Os comentários ofensivos à jornalista Maria Júlia Coutinho (a Maju), acontecidos recentemente, é só a ponta do iceberg. Nossas mentalidades andam doentes, carentes, não de mais politiqueiros, mas de profissionais que pensam respeitosamente sobre o que somos e o que precisamos ser (digo, moralmente). Se historiadores tivessem o mesmo prestígio nas vozes que certos políticos têm, não precisaríamos ser exigidos por tantas leis. O bom-senso prevaleceria.
Não entendo, as pessoas ouvem rock n’roll. Prestigiam bossa nova. Acham sofisticadíssimos os sons que iluminam o blues, por exemplo, mas são incapazes de raciocinar sobre as origens desses ritmos e, por sua vez, os ‘porques’ de seus próprios ouvidos gostarem tanto disso. Será que os sentidos não se afinam em um mesmo tom? Ou será que os tons é que não se afinam para os mesmos sentidos? Difícil saber.
Por outro lado, retiro o que disse no último parágrafo. Para ouvir sons desse tipo, é preciso saber mais, desenvolver-se mais. Duvido que gente agressiva tenha o mínimo de cultura para entender desses gêneros tão ricos, pois se tivessem, não encheriam o mundo de opiniões nitidamente ridículas a cerca do povo que os criou. Digo isso por estar cansado desses discursos fascistas e idiotas dos tipos velados, que só vêm à tona em situações de raiva ou de inveja (o que ocorreu claramente no caso Maju).
Enfim, não me demoro mais. Este tema me assusta. Temáticas assim nos ofendem por arrancar de nós uma série de verdades, que acreditávamos superadas. Verdades necessárias, preciso dizer, mas perdidas em algum cantinho que deveria ser lembrada como algo feio nas entranhas de alguma pesquisa coletada em arquivos já decompostos e amarelados. Cuidemos de nossa evolução, não precisamos voltar ao barbarismo intelectual. Mediocridade se cura com uma boa aula de História, como eu já disse.

Agora fico. Baixo a caneta. E me ausento deste texto. A Maria J. Coutinho já disse tudo por mim: “Os preconceituosos ladram...”. 

sábado, 4 de julho de 2015

UMA NAU CHAMADA REDAÇÃO DO ENEM

Sou incapaz de dizer algo para além da fala, a alma precisa saber braile, deixar-se invadir pelos ‘falos’, que são os dedos. Por isso escrevo.

‘A língua portuguesa é minha pátria’, já escreveu certa vez Fernando Pessoa. Só que não escrevemos em uma única língua. A escrita, em qualquer idioma, é um modo de organizar os pensamentos. Trata-se de uma leitura fina que fazemos de nós mesmos, por isso nosso país não ESTÁ, ele É aquela linguagem que usamos para pensar o mundo. Logo, – cuidado! – nela também somos pensados. Os ventos (independente da nau) podem dizer muito mais sobre o navegador do que o porto em que ele pretende chegar. Portanto, devemos tecer nossas velas com os instrumentos que temos. Não é necessário furá-las com agulhas difíceis e intransponíveis à grossura dos panos. Ela precisa ser leve e bem feita. Em outras palavras: use expressões simples e que lhes sejam familiares. Brinque com elas, fabrique um mundo organizado com o que tem. Termos obscuros não clareiam nenhuma ideia. São como furos responsáveis pelo vazamento do vento. Isso desacelera o barco e incomoda os passageiros que pretende levar. Eles têm pressa e esperam que você os conduza bem.    
Repetições de palavras também são nódulos que precisamos tirar. Um texto não é como a fala, ele precisa estar limpo – problemas recorrentes nas peles que os mastros seguram. E que feia fica uma vela cheia de fios soltos. O que me faz lembrar às velhas bordadeiras. Observem-nas e aprendam. Elas não têm pena de destruir uma coberta inteira, tudo porque no meio dela há um fio solto. Quando (des)cobrem isso, puxam a linha até a parte que não se alinhou. E prosseguem dali. Como são sábias as velhinhas. Velhas capazes de tecer lenções perfeitos para grandes veleiros.
Sim, quero dizer com isso que produzir um texto requer um grande trabalho de releitura e desconstrução. Jamais terminamos uma tessitura. Escrevemos por meia hora, mas precisamos relê-la por duas. Segredinho para quem pensa que há “dom” para isso. “Aprendemos a fazer, fazendo.” Faça, e não tenha medo de ter que refazer, pois se não o fizer, não será capaz de atravessar nem sequer um riozinho. O tema que escolheu é um mar inteiro, não o subestime. A jornada é longa e um furo, seja no casco, seja na vela pode sim te afundar, ou se tiver sorte, só te atrasar. Cuidemos com isso.
Podem acreditar – todos nós vivemos um caos. Saibam que é muito difícil ser simples, complexo todos já somos. Eis o motivo pelo qual os novelos devem ser desenrolados devagar. Se achar complicado desenrolá-lo todo, enrole novamente, desfie o que já fez e recomece. É necessário estar preparado para quando ventar, pois quando o ar se movimentar, carecemos dar direção ao destino desejado. Ele é que levará nosso barco para além do oceano exigido.
Enfim, quer ser o capitão dessa caravela chamada Redação do Enem? Então afaste este texto, pegue uma folha e uma caneta e comece já a construir sua própria embarcação. Firme o mastro. O papel será sua vela.

Vamos trabalhar, marujos!  

terça-feira, 30 de junho de 2015

PROFESSORES QUE SE APOSENTAM


Eles não sabem atear fogo, mas sempre que encontram uma brasinha, não se aguentam, enchem o peito e sopram, abanam... fazem de tudo para que dela se levante uma fogueira.


Já faz algum tempo que perambulo pelos corredores da Escola. O fato é que, nessa jornada, acabei encontrando caminhos bonitos e que nem sempre são compreendidos por pés jovens (como os meus). Para entenderem e podermos compreender o que quero dizer é necessário que falemos de amor – e você sabe qual é o contrário de amor? Errou quem arriscou “ódio”. Não, não é. O contrário dele é a indiferença, o “tanto faz”. O oposto é isso, porque 'desamar' é deixar de ter mar. É quando nos tiram o mar. É ganhar um deserto.
Hoje – por conta (e através) desses nobres “educadores das antigas” – sei bem que ser professor é como estar em uma gangorra e sentir prazer tanto no alto quanto no baixo. É amar em todos os níveis. É nivelar-se a cada tamanho e, às vezes, até negar-se um pouco para que todos ganhem certa altitude no outro extremo do brinquedo. Fácil? Não é mesmo. Se um piano só se afina com muita escuta, imaginem uma orquestra inteira?!
Com os “antigos” aprendi isso: só me demoro em lugares que não ficam e que, só de olhar, me levam junto. Sou um ‘teacher’ que ainda usa fraldas, preciso ser levado. Sinto o mundo pela boca, como uma criança desejando não ter, mas ser mundo. Por isso degusto as vozes e os temperos da experiência de cada um desses mestres, seres mapeados por estradas mais longas do que as minhas. Volta e meia paro um, converso, ‘aprendeendo’ (do verbo apreender, mesmo) e me afino com eles. Muitos não se fizeram doutores por papéis, fizeram-se fazendo fogueiras em lugares pouco favoráveis a “queimações”. Alguns Incendeiam até mesmo garotinho cheio de “expertises” teóricas, feito eu, e quando o fazem, os educandários se iluminam...
Enfim, escrevi bastante até aqui (perdoem-me!). Tudo que fiz foi tentar desenhar uma coisa simples, e “é preciso ser muito bom para ser simples, guri!” – já disse meu pai. Não sou como ele. Minhas pernas ainda não tiveram tempo para ser. Então, para concluir, vou arriscar um desabafo mais preciso do que quero dizer:

“Não gosto quando professores se aposentam. Aposentando-se, menino que sou, fico órfão dos bons ensinamentos, porque a docência é um sacerdócio, e por ser uma missão tão sacra, preciso deles para me acompanharem em orações que ainda não sei rezar sozinho”.  

domingo, 28 de junho de 2015

"MAIORINTERIORIDADE"

Os silêncios ficam mais bonitos no escuro.

Ontem à noite olhei para minha filha, a moça já está com dezesseis anos. Ela estava dormindo. Não sei se sonhava. Sou ignorante para sonhos – o sonho é um livro que ainda está por escrever-se. Sentei ao lado da cama e senti pesar ao refletir sobre as estradas que ainda não se fizeram. Baixei a cabeça, fechei os olhos e então desisti da ideia de pensá-la maior, desisti de tentar ‘futurar’ seus caminhos. Arrazoei, centrei-me nas pernas, na força que minha menina precisava concentrar nas pernas. Sim, sua grandeza precisa ser outra (pelo menos neste momento!), não aquela da tão falada maioridade, mas uma mais bela, a da “maiorinterioridade”.
‘Definitivamente, se ela não der certo’ – pensei – ‘a culpa será minha. Toda minha. Seus pés são meus pés. Meus passos devem ser medidos por conta das pegadas que ela, um dia, terá que dar. Sei que mais tarde seguirá sozinha, não de onde parei. Sua medida estará na profundidade das passadas que deixarei de herança’.
Pois é, a noite clareia alguns escuros que temos. Este foi um. Desse modo, resolvi movimentar os espíritos em direção ao escuro mais assombrado da atualidade: o da “maioridade penal”. Algumas pessoas, pouco mais indignadas, soltavam-se severamente em pequenos gritos perdidos pelas redes sociais, desejavam punição imediata aos menores infratores. ‘Dessabiam’ (exatamente como eu ‘dessei’) de sonhos. A diferença estava nos tons, nas linhas difíceis. Àquelas em que a cegueira nos impede de percorrer. Havia muito que se pensar nelas, porque ali moravam histórias bem maiores. Histórias tristes e cheias de raiva. Paixões que se perdiam em seus próprios riscados e se configurava novo em pisadas que, ao invés de esclarecer, confundia-os ainda mais pela ruela pouco iluminada da formação. Sim, social e intelectualmente, eles ainda estão se formando.
Não tomem meu raciocínio como se eu não soubesse dos crimes cometidos, das atrocidades... Disso tudo sabemos. Só quero que exijam mais de nossos ‘grandes’ (dos governantes), assim como podem cobrar de mim – caso minha pequena cometa alguma infração. Contudo, ainda antes de cobrar, sugiro que leiam atentamente o “Estatuto da Criança e do Adolescente”, também. Reflitam sobre a parte que compete a você, a mim. Precisamos primeiro alimentar nossas interioridades para darmos chance à mudança, do entorno, dos exteriores. Meninos precisam sonhar. Acordemos para isso.

Agora silêncio, os menores ainda dormem!  

segunda-feira, 22 de junho de 2015

MENTIRICES

Entre mim e a utopia sempre há um passo novo, à frente. Por isso persigo as linhas em branco e, sem querer, deixo caminhos que vão se fazendo enquanto escrevo a estrada com minhas pegadas tortas: tenho pés tortos.

Nunca fui de guardar rancores. Arranco todos que posso. Tiro até as funduras da raiz. Nossas interioridades conservam certos excessos que, se ficarem por ali, acabam crescendo e ganhando vida na vida que tira de nós. Tudo neles (nos excessos) são lascas, gorduras cheias de “quero ficar”. Confesso até que, para não engordá-los mais, prefiro inventar outros, substituir para arejar os “debaixo da pele” – sufocá-los não dá, daí morremos. Sim, só sei sentir mentindo. Mentir é uma estratégia para enganar a fome de nossos egos, porque, como disse o poeta, “tudo o que não invento é mentira”.  
A literatura, por exemplo, – sendo muito maior do que eu – é uma mentira bonita e que pode variar de acordo com algumas ‘mentirices’ nossas. São verdades que se multiplicam e se colorem em mil e tantas pequenas criações. Não me refiro apenas ao autor-mentiroso, leitor também mente, lê o que pode e completa com as recordações (se não viveu inventa, ora!). Suas imagens, criadas ou não, são ilusões perfeitamente verdadeiras, existentes. As boas mentiras funcionam assim: quando o mundo exige uma, entregamos todas para não ‘sincerar’ ouvidos que raramente funcionam para fora de seus donos.   
Não, aqui não trato de mentiras vis, não se assustem, mentira que sufoca, coíbe e extorque estão em um nível abaixo do que quero dizer. Quanto a mim, toda a história que invento é a mais pura verdade. Outro dia mesmo, ao passar em frente de uma casa, recordei que ali morava um antigo amigo. Foi por acaso. Mesmo assim, olhei e logo senti sobre os ombros uma cachoeira repleta de imagens – estávamos na primeira série. Embebido naqueles "ontens", subi para respirar. Foi quando a lucidez me encheu de presentes: "Não sabe dele. O amigo não é mais o que anda cheio de barbas aí pelo mundo. Aquele que foste é que sabia daquele que ele foi. Ali é que se conheciam. No mais são estranhos." E o tempo seguiu, deixando pegadas nunca dadas por este que me tornei, mas pelos pés que já não são meus. Segui. Passei por outro caminho e uma nova lembrança começou outra história mentirosa por dentro de mim...
Bom, minhas mentirices não param por aí. Conto a última:
De tanto observar as cores fabricadas pela falta de barulho dos gatos, hoje sonhei com uma onça parda. Ao acordar – eu acho! – fui logo surpreendido pelos sons dos passarinhos, esses compositores de céu: pardais também reconhecem certa afinação para os silêncios. Bem que aquela onça poderia ter asas e bico para ajudar a chamar o amanhecer. Gosto de seres "pardados". Quando durmo sinto que tenho poderes tão mestiços quanto os de Salvador Dali. Será que acordei mesmo?
Ah, sonhar é uma mentira tão boa...


terça-feira, 16 de junho de 2015

MÃOS QUE TE (PO)VOAM...

Hoje pela manhã, naquele frio descomunal, minha filha me chamou ao quarto para ler um poema. Abriu um livro de Drummond (“José e outros”) e nos esquentou com aqueles versos. Sua voz de menina fazia do amargor das palavras um misto de delicadeza e dissonância.  “A mão suja” limpou-se naquela interpretação titubeada e frágil – este era o nome que Carlos, O gauche, deu àquelas medidas. Antes, confesso que eu não estava muito contente em ter que levantar da cama, mas os compromissos chamam e nos chamuscam com suas chamas ‘enlenhadas’ de “precisamos ir!”. E fomos. Contudo, as vozes não queriam me abandonar. No trajeto, eu olhava para minhas mãos guiando o carro que levariam a todos para os seus próprios “temos que estar lá!”. Pensei: “Ora, bolas, mãos, há tanto me levam e trazem, buscam, deixam e ficam, mesmo nunca saindo de mim, sendo muitas vezes eu, sendo os tantos que este dia exigirá que eu ainda seja!”. Ah, mãos!
O caminho foi me caminhando, como se a estrada fosse meu corpo. Como se fizesse de mim um instrumento de meus instrumentos. Sim, não é o que são? Instrumentos? Naquele instante senti-me habitado de dedos. Os olhos, a boca, o rosto... e assim que pude, fui ao banheiro para ver se algum espelho pudesse desenrolar o embaraço. Lembrei-me de Quintana, das mãos descrias por Quintana em consonância com aquelas de Drummond. Pensei naquele texto que havia feio em outro momento: “Não há nada mais bonito do que as mãos de meu pai...”. “Mas há outros maestros!” – pensei. E no mesmo instante surgiram outras mãos. Não as minhas. Eram maiores. Mãos mais sabidas e que dançavam conforme tocava a alma e o coração de sua dona.
As minhas não estavam mais comigo, me abandonaram para outras canções. Estavam à deriva naqueles “logo alis”, que são as lonjuras. Voltei à sinfonia mnemônica do Curso de Letras. Voltei para aquelas vozearias ritmadas por uma maestrina fina e leve. “Enfim, finalmente as palavras faziam sentido” – refleti na época. E estas estão fazendo?
Explico: as mãos tinham, naturalmente, uma dona, ou eram elas as donas daquele corpo que tinha nome de anja, anja cujas asas eram feitas de ainda mais mãos? Ângela era o lugar, plataforma de voos ritmados e que nos deslocava para alçar devaneios bem maiores dentro daqueles céus de nós mesmos. Aquelas mãos, desde então, fizeram destas que conduzem este texto, asas de albatrozes que só querem saber de voar.
Mas e se não houvesse anjo algum em minhas distâncias? Acreditam neles? Pois eu tive o meu, a minha. Portanto, não estranhem estas linhas tortas que estas mãos querem te dar. Elas que me levam...

Perdoem-nas pela ternurinha!  

sábado, 6 de junho de 2015

O VELHO E A BONECA

Uma boneca antiga e um fabricante de brinquedos. Ele era apaixonado. Sonhava em vê-la viva, queria ser retribuído no amor. Dia desses uma fada passou por ali. Sentiu pena do velho e enquanto ele cantava, ouviu a voz do manequim o acompanhar. Ah, aquele lugar esquecido logo se iluminou. Mas ela tinha uma queixa. Não era mais lembrada. Ninguém a procurou. Estava triste por viver. O sentimento do senhor parecia não suprir tamanho sofrimento. O cenho fechou-se. Ambos afastaram-se. Foi cada um para seu cantinho da oficina.
“Sou apenas uma boneca. Já fui amada por alguém que me deixou.” “Eu estou aqui, bela! Ame a mim, sonhe, mas olhe pra mim.” “Meus olhos parados só viam o tempo passando. Minhas pernas eram a menina que moviam. Ela me abandonou.” “Fique comigo. O tempo me fez te amar. Morri. Voltei. Estou aqui, boneca.” “Quero voltar.” “Voltar a ser imóvel?” “Sim, ser humana me aflige. Assim que me transformei, o mundo me cobrou tudo o que me deixaram.” “E eu, querida?” “Tu sempre estarás comigo, cuide de mim.” “Mas vou morrer, não posso!” “Daí estaremos juntos, dois mortos.”
E a fada, assim que eles se aproximaram para um beijo, transformou os dois em estátuas, dois amores fotografados pela eternidade. E assim o amor pôde ser visto. Ninguém mais sofreu, além da fadinha. Ela definhou assistindo para sempre aqueles amantes que nunca mais encontrariam lábio nenhum. Quando aquele corpinho caiu sobre a terra, uma rosa bem vermelha brotou no lugar. Rosa que carregava pétalas que pareciam lábios estendidos a tentar beijar o céu.  


sábado, 30 de maio de 2015

AS MÃES E OS GUAXOS

Sempre me machuco quando leio. Não que as letras representem espinhos perigosos e contundentes. Minhas “machucações” vêm sempre da beleza provocada pelos ritmos e pelas atmosferas inebriantes que alguns gênios literários provocam em mim. As palavras são apenas um meio para chegar ao fim, que é nossa alma. O engraçado é que essa gente utiliza-se de minhas próprias vozes e imagens para se mostrar pelas fendas de cada um de seus silêncios – digo bem, silêncios, há muitos silêncios, sempre me refiro a ele(s) no plural, não estranhem. Medo de parecer tão frágil diante deles. Eles parecem ter a faculdade de tirar coisas de dentro de mim, coisas que nem eu sabia que podiam estar por lá, nas entranhas.
Vejam bem, semana passada li, entre outras coisas, “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway. Até ontem, ao receber a notícia de que minha encomenda havia chegado à livraria, tive a noção de que nada poderia ultrapassar esta última leitura (confesso!), muito menos esta que me veio agora – ainda que, ao mesmo tempo em que esperava, andava lendo “Guerra e paz”, aquela monumental obra de Tostói (vinho que bebo devagarzinho, claro, a conta gotas para sentir melhor o sabor). Engano meu. À tardinha, pouco antes de regressar ao trabalho, abro o dito livro e, novamente, fui tragado. O primeiro conto era magnífico e tive a impressão de que aquele velho pescador não estava tão solitário assim. Falo da obra “Dançar tango em Porto Alegre”, de Sérgio Faraco. Livro que, já no princípio me pegou bonito por sua essência universal – se é que posso dizer assim. Contudo, cito um trecho para que se embebedem comigo:
“Ele trazia os joelhos de encontro ao peito para se aquecer, pensava na mãe, que as mães não deviam morrer tão cedo, na falta delas todo mundo parecia mais solito, espremido no seu cada qual como rato em guampa.” Nossa! Quanta ternura encontrei nessas palavras. Não sei como puderam tê-las traduzido, como acredito que foram. A verdade é de todos, eu sei, mas me refiro ao refinamento, à forma, ao monumental ritmo oral e nativo: vozearia legitimada de nossos pampas. “Um Guimarães Rosa bem vivo” – pensei. Ousei, e naquela noite arrisquei uma frase que brotou de uma palavra utilizada tanto por Rosa, quanto por Faraco: “Nonada, arma de vivente é fia de muitas morte que fica fazendo casa na gente. Não precisa sabê de letra pra entendê dessas morada. Arma é alma”, guri! – tal como dizia minha avó.”.
Enfim, depois disso e como da outra vez, fiquei na janela tentando me convencer de que aquele conto não era de verdade, que se travava de ficção. Quando retornava para ele, relia algumas partes que, insistentes, voltavam a me dizer: “Voltar para subir o cerrito de pedra nos fundos do campinho, para atirar uma flor na cruz da velha morta, de quem, agora mais do que nunca, sentia tanta saudade.”.
No outro dia (hoje) bem cedinho, “deitei o cabelo” para casa de meus pais. Lá meu velho ostentava uma cuia bem grande de chimarrão. Na varanda, minha mãe, mais viva do que nunca, me saudou com um bom dia. Sim, o escrito de Faraco fez meus olhos se voltarem para dentro e observar o quando eu ainda tinha. Valorizei. Fiquei até às onze horas mateando e ouvindo as vozes de minha velha. Montei campo ali, ouvindo e sofrendo em saber que um dia ela não estará mais conosco. E não, o conto não me ‘autoajudou’. Pelo contrário, serviu de catarse para que eu purificasse a sorte que ainda tenho por não ser um guaxo na vida.
E as mães sempre com esse poder de nos provocar saudades que ainda nem precisamos ter. Os que precisam, chorem ao ler o primeiro conto de “Dançar tango em Porto Alegre”. Permitam-se sofrer junto aos “Dois guaxos” (Mano e Ana), personagens que são quase reais, mas advirto, precisam ser lidos por algum cantinho do coração: aquele que também se permite ser lido.

Estou encantado. 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

AS MUITAS MORTES E VIDAS QUE PODE TER UM QUINCAS

Como muito bem disse Affonso Romano de Sant’Anna: “[...] literatura é também isso, um contar, recontar, tecer e destecer tramas e urdiduras num interminável bordado textual.”.   
Explico: Por ser meu aniversário, meus pais passaram aqui em casa com a seguinte informação: "Pega esse dinheiro, compra um livro pra ti." Mesmo eu recusando, deixaram uma nota de cinquenta sobre a mesa e, ao meu entorno, o calor de dois abraços que diziam muito sobre eles dois. Certo, fui fiel ao pedido e comprei as obras “Os três mosqueteiros”, de Alexandre Dumas; e “A morte e a morte de Quincas Berro Dágua”, de Jorge Amado.
Seguindo o que disse Sant’Anna, tomo como embrião aqui neste texto, o último: as muitas mortes que teve Joaquim Soares da Cunha, o nosso Quincas.
A novela trata do velório de um homem que teve duas mortes, uma social e outra literal. Na primeira, após os cinquenta anos de idade, ele decide deixar a família, abre mão até de um bom e respeitável emprego para ganhar as ruas, ser livre. Deixa de ser o Sr. Joaquim, respeitável funcionário da Mesa de Rendas Estaduais, para iniciar sua carreira de vadiagem em um bar de pouca fama. Local onde, ao tomar seu primeiro gole de cachaça fora de casa, lança um berro que fez com que todos caíssem na gargalhada. Daí o nome, Quincas Berro Dágua.
Dizem que a história surgiu do “disque me disque” das ruas baianas, tal como gostava o Amado, porém, segundo Romano de Sant’Anna, a verdadeira situação aconteceu em território cearense. O que explica a citação feita no início deste texto.
Contudo, – fora a alegria e as risadas arrancadas de mim por essa novela – quero ressaltar algo que anda nas “estrelinhas” do texto (ou entrelinhas, se melhor compreende o leitor, como queria!). Apesar de me divertir, notei que há algo mais na vida desse Quincas. Não se trata apenas de sua morte, mas das pequenas mortes que todos temos em vida. Todos somos meio Berros Dágua. Quando resolvemos redimensionar as velas de nossos barcos e seguir para outros caminhos, morremos para o sul, por exemplo, para renascermos no norte. Temos esse direito. Portanto, não pude ler a obra como outra qualquer, fiquei refletindo. Ela é a versão mais bem-humorada e moderna de Heráclito de Éfeso: “Não te banharás duas vezes no mesmo rio”.

Quer morrer hoje? Então “Carpe diem”, comece lendo “A morte e a morte de Quincas Berro Dágua”. Vadiar também é preciso. Vadie pela literatura e renasça! 

sábado, 16 de maio de 2015

O VELHO E O MAR

Outro dia peguei um peixão daqueles. Fascinado com a literatura de Hemingway, após ter lido “O sol também se levanta”, busquei me informar, naveguei pelos seus mares e descobri esse “espadarte”. O mundo nos prepara para coisas grandes assim, o auge de uma vida inteira. Auge que, dependendo dos olhos, é pequeno, menor. Como disse o poeta: “menor, menor, menor, Enorme.” Pois é, faço trinta e seis anos nos próximos dias. Confesso que já pesquei muito peixe bonito e grande. Contudo, me parece, os outros serviram foi de isca para esse monumental espadachim que encontrei por acaso neste meu oceano. Precisei envelhecer para entender, maturar esta ocasião.
Falo da obra “O velho e o mar”, de Ernets Hemingway, tal como citei acima. Parece uma história de pescador, mas só que não. Ela esconde em suas entranhas uma vida inteira que nos vaza exatamente a linha que escorreu pelas mãos calejadas e já cansadas de um senhor que recebeu a fama de azarão – pobre, ele não havia pescado nada durante muitas idas ao mar. Sendo assim, paro e reflito como ele refletiu. Acompanhem:
"As aves têm uma vida mais dura do que a nossa, excetuando as aves de rapina e as mais fortes. Por que existiriam aves tão delicadas e tão frágeis, como as andorinhas-do-mar, se o mar pode ser tão violento e cruel? O mar é generoso e belo. Mas pode tornar-se tão cruel e tão rapidamente, que aves assim, que voam mergulhando no mar e caçando com suas fracas e tristes vozes, são demasiado frágeis para enfrentá-lo."
Para mim, caro leitor, este é o resumo de toda uma jornada. O mar é a vida, a fragilidade e a necessidade nos faz buscar peixes em suas águas conturbadas – profundezas perigosas para pássaros mais frágeis. Tubarões sempre se aproximarão pelo cheiro de sangue de uma bela luta. Tudo para nos abocanhar um pouco do pescado. Aves de rapina também se sobressairão dando mordiscadas e nos espantando dos melhores cardumes. Quando isso acontece, é bom que estejamos – pelo menos em sonho – navegando pela costa da África. Ali, seguros, poderemos observar os leões na praia, seres magníficos e distantes. Sorte não ser preciso travar nenhuma luta com a lua e com os leões. Olhamos à distância e nos alimentamos sem enfrentá-los.
Discordando um pouco, não, nem todo o velho sabe pescar. Alguns se deslumbram tanto que sua sabedoria acaba idolatrando, não o que pescou, mas os tubarões que atraiu.
Explico melhor: ontem à noite minha filha veio tristonha com a seguinte informação: “Pai, a avó de uma amiga minha não quer mais que eu converse com ela. Disse que agora minha ex-colega estuda em escola particular e que não deve manter amizade com gente como nós, os da pública”. “Filha, sonhe com seus próprios leões, use os peixinhos para se alimentar e para servir de iscas para peixes maiores. O mar é grande dentro de ti, navegue. Observe a sabedoria dos pássaros menores e repudie o egoísmo de uma ave maior, ou de algum tubarão sedento de poder. Saiba que o oceano que carrega nas entranhas é maior que tudo isso. Ele pode os afundar ou se revoltar contra ti mesma. Não o deixe nervoso. Esqueça isso. Ainda encontrará outras ‘rapinações’ nesse marzão. Mantenha as linhas firmes, mesmo que te rasguem as mãos. Pegue seu peixão. Boa noite!”

E fomos dormir. Ambos sonhamos com nossos próprios leões... 

sábado, 9 de maio de 2015

MINHA MÃE E SUAS ‘ESTUDAÇÕES’...

Nunca saberei retribuir o que a sabedoria sabida de uma mulher analfabeta soube me dar. Tive que ler, e ler muito para entender o que aqueles olhos queriam me mostrar. Não é nada fácil fazer a leitura dos olhos, os lábios teimam em se fazer, junto com eles, afinação – precisei me afinar antes. Fineza tão sóbria que enlouqueceram algumas ideias vagabundas daquele adolescente que fui: rio que não para.  
Maduro e estudado, como diz minha mãe, hoje percebo esta sentença simples com a profundidade que tem o olho de um furacão. “Estudado!”. Ah, quanto sabor há nesta palavra! Sim, ela sempre foi a melhor entendedora de mim. Estudou-me sempre, desde o ventre. Conhece cada cantinho meu, praticou em mim suas “estudações”, sou sua tese.  Estudado... Eis uma das ‘bonitezas’ de Dona Ana.
Ainda lembro. Há algum tempo, empolgado com um poema de João Cabral de Melo Neto, resolvi recitá-lo para ela. “O meu nome é Severino/ Não tenho outro de pia/ Como há muito Severino/ Que é santo de romaria/ Deram então de me chamar/ Severino de Maria/ (...)”. Chorou. Teve pena da falta de existência daquele homem. Talvez tenha recordado de si mesma. Devaneou uma história parecida. Aquelas palavras a despertaram. “Analfabeto sou eu”, pensei, “não precisa ser doutor em literatura para sentir nos poros uma poesia...”. Lição que tive: ler com os ouvidos.
Outro dia, abatido, cheguei em casa e escrevi o seguinte pensamento (exorcizo as coisas assim):  “Morrer é só uma maneira de estar sozinho. ‘Sozinho-me’ morrendo – quem dera que por gotas e contas loucas de alguns cálculos perdidos na bacia. Sentir pingando é melhor do que ter uma cachoeira solta dentro da gente. ‘Cachoeirar’ sem rédeas é uma maldição. Sentir é uma maldição.” Logo em seguida fui até a casa de meus pais e afirmei: “Mãe, não sei se vou até os cinquenta, sofro de desespero, até um vento breve me faz ‘infinitar’ certa sensação na pele.” “Ora, o que é isso, filho? Nunca fale essa palavra novamente. Já vi muitas mortes, mas não entendo de nenhuma. Morrer é ir morar com a saudade.” E pronto, já estava melhor.

Acho que se algumas pessoas não fossem analfabetas para o outro, o mundo seria mais legível e menos intolerante. Carregamos tantas letras, vamos ler! O mundo é como uma biblioteca inteira. Não precisamos nos resumir. Pergunte a minha mãe. 

sexta-feira, 1 de maio de 2015

INTELIGÊNCIA EM CRISE

É muito triste acordar pela manhã e ter que engolir junto com pão e café, notícias tão vis quanto as que estamos sendo obrigados a digerir: imagens de professores sendo agredidos a cassetetes pela polícia. Prova de nosso atraso humano, pois, estejam certos, um país que trata seus docentes como bandidos estão, ao inverterem as coisas, fomentando mais escuridão. E pensar que ainda há pessoas empunhando cartazes pedindo intervenções ao estilo 64. Ironia triste!
Quanto a isso, atentem bem. Exigir em meio a protestos democráticos a volta da ditadura militar, só serve como paradoxo. Não sabe o que é paradoxo, democracia, ou ditadura militar? Pois então, mais uma prova de que precisamos urgentemente deles (dos professores). Façam as contas. Pensem no que estamos passando. Cansado de ouvir notícias sobre educadores sendo massacrados pela polícia. Sinto que, quando eles apanham, nossa inteligência toda é que sangra e escorre pelo ralo.
Porém, se você segue o estilo “eles merecem mesmo”, tenho uma informação para te dar. Tirem seus filhos da Escola, eles estão sendo instruídos por pessoas cujo objetivo é complexo por ser simples e belo por ser necessário: “futurá-los”. Não, não aguento mais tanto estrago e verdades pouco tragáveis, porque o coração sabe o que a razão está impondo, e, sim, ele sofre por conta desse tanto de barulho insistindo em se tornar rotineiro e natural. Só fico pensando o que pensaria o povo japonês ao perceber a reverberação desses terremotos morais que se abatem sobre as cabeças desses profissionais que eles tanto presam e cuidam. Devem nos pensar como o país mais desprezível do mundo, ou simplesmente nos ignoram e subestimam por conta de nossos próprios barbarismos. Depois do que aconteceu, teria vergonha de falar com algum deles. Na certa que nem me ouviriam, sabendo de onde venho. Nem mesmo um tradutor poderia nos ajudar agora. Primeiro precisaríamos ter a atenção certa.
Contudo, por outro lado, os professores devem sim apanhar da polícia. Está certo, poxa! Esses elementos são mesmo odiosos. Podem, inclusive, espalhar o repúdio pela violência utilizando-se de armas perigosas e mortais como um pedaço de giz, um quadro negro e um acervo municiado com muitos livros de História, Filosofia, Literatura, Matemática... Se não forem detidos logo, temo que o país corra um sério risco de ter um futuro melhor, mais bonito e esperançoso pela frente.
Bom trabalho. Pau neles!