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terça-feira, 31 de março de 2015

EM ALGUM LUGAR NO PASSADO...


Longe, tão longe quanto a maior de todas as lonjuras... distância de dentro de mim. Enfim, lá estava eu sentado num dos bancos de um ônibus. Na mochila, além da marmita fria, um livro iluminava a parte menor da bolsa. Não, não gostava quando alguém se sentava ao meu lado e puxava conversa. Mal sabiam eles que não podia “esquizofrenar” entre o livro que estava lendo e as perguntas que me faziam. Lembro que sempre me questionavam se era o livro sagrado que tinhas nas mãos. Nossa! Ninguém acreditava quando percebia aquele baixinho mestiço e mal vestido lendo um livro que não fosse a bíblia (pobres, em suas cabeças, precisam ter fé!). Cansado daquela rotina, logo que descia do coletivo, puxava um cigarro e um isqueiro do bolso e acendia como quem diz: “não sou religioso, amigos!”
Já no trabalho, era operário, puxava outro livro e punha-o no bolso (há livros meus que ainda estão sujos de terra por isso). Seguia. Trabalhávamos na poda de árvores, nosso caminhão recolhia tudo o que ficava na calçada e na rua. Quando enchia a caçamba, lá íamos nós em uma viagem de meia hora de ida e meia de volta para descarregar o dito cujo. Sim, era ali que minhas viagens ganhavam outros rumos. Sacava do bolso o livro e fazia todo o trajeto em uma leitura calada ao lado do motorista.
Quando o dia finalmente terminava. Tomava banho por lá mesmo e quebrava mais um dos paradigmas sociais, já que muitos, utilizando-se de olhos comuns, me viam o dia todo como um analfabeto. Eu era um estranho, admito, pois à noite (com uma sacola batendo panelas quando caminhava) me dirigia para a faculdade de Letras. Chegava sempre uma hora antes de começar. Naquele momento puxava o terceiro livro do dia, tinha um para cada momento. Como as coisas estavam ruins, pelo menos financeiramente naquela época, muitas vezes aguardava até o final da noite para almoçar em casa – meu estômago acabou acostumando e até hoje comida não me faz falta. E assim passaram-se dez anos. Dez anos de leitura e vozes que no final das contas só sei ouvir agora. Através delas aprendi a amar a noite. Desacelerei a vida ao descobrir que os silêncios são muitos e as vozes sinfonias que nem sempre sabem dizer o que o maestro quer, pelo menos não seu tempo certo.

Hoje, quando olho para dentro, penso se suportaria passar por tudo novamente. Os restos de mim se tornaram cientes de que aqueles que eu fui (mesmo estranhos) são os que fizeram de mim este tudo que nada lhes parece. Só se que o tempo ainda me abriga..

ANGÚSTIA


E de repente uma angústia. Sufoco que se traduz em apertos no peito. O coração – coitado! – se esmaga por não ter para onde fugir. Fica entre a estreiteza de um suspiro e a inconsequência daquele par de olhos perdidos do corpo. Não é para agradar, ela (a Angústia) vem e se instala em nós, não pede licença, transita livremente por aquela estrada estreita e de pouca iluminação. A dama “dessabe” que não anda em rua alguma. Está em um labirinto. Está no inconsciente. É uma cega. Neste caso, os outros são só outros quando as preocupações estão em nós. O inchaço é imperceptível nas “intrairrogações” dos peitos alheios. Impossível ver. Só sentir. Queria que os olhos todos funcionassem, também, de fora para dentro, então tudo ficaria mais claro e as pequenas morte seriam apenas ensaios da vida (coisa natural).
Às vezes também acho que Melancolia é o nome de minha asa esquerda, essa que não cadencia com a direita, a que me impede de voar. Por isso, com as penas boas, escrevo um céu aqui no chão. Desabilito o que é “autoajudável” e perco o fio da razoável Ariadne. Nunca entre em nenhum labirinto sem esse fio, pois se entrares morrerá de fome tentando encontrar o caminho, ou será morto pelo próprio Minotauro que criou. Sim, os monstros são fruto do sexo que fazemos com o mundo. E não, não somos capazes de vencê-los, é preciso saber conviver com eles: são nossos filhos.
Quanto a Angustia. Ela não é cria nossa, sua mãe é a Noite. Esse cantinho escuro onde entulhamos nossos pensamentos. Sem ordem certa, pegamos um de cada vez e vamos organizando e separando conforme dá. Ela é uma coberta que descobre as hipocrisias do dia. Nela, só a música permanece incorruptível. Só ela nos faz amortecer o impacto de que temos o "dever" de levar uma surra e ainda ter que sorrir para todos.
Noite, Dona Noite, já fui tantos dentro de seu ventre que até perdi as contas, todos fomos, tanto os de mim quanto os que habitam em ti. O problema é saber lidar com tamanha multidão, pois só o tolo vê apenas uma pessoa, os que sabem (ou tentam) se ler, assustam-se por ter a consciência de que faltam olhos para tanta gente que mora por detrás de cada sorriso. Se há muitas verdades – ora bolas! –, também existem muitas maneiras de sorrir e de se angustiar.  Até mesmo a tristeza sorri para alguma coisa, mesmo não sendo nítido para a cegueira de nossa visão.
Enfim, defendo-me, dormir é morfinar-se. É deixar que Morfeu sinta por ti e cuide do teu fardo enquanto morres por umas horas.
Os pensamentos pesam tanto!!!
Vou dormir.
Escrever só me engorda.

Boa noite!

domingo, 22 de março de 2015

O TERROR DE UM BEIJO


Outro dia, enquanto passeava os dedos pela linha do tempo do Facebook, acabei cavando um buraco tão fundo que quase não consegui retornar – nem eu sabia que tinha unhas tão fortes. Tratava-se de algumas vozes indignadas, mais do que isso, horrorizadas por conta de um beijo dado na estreia de uma novela das oito. As falas transitavam entre “velhas malditas”, até o cúmulo do “vão para o inferno, deviam estar em uma cadeira de rodas, como vou explicar isso para meus filhos?” Para a primeira observação, posso garantir, são excelentes atrizes, a Fernanda Montenegro, inclusive, recitando Simone de Beauvoir (uma revolucionária escritora) é “bendita”, velha sim, é idosa, portanto sábia e cheia de vozes que usa para nos encantar. Quanto à segunda parte, não, não acho que deveriam ir para o inferno ou vegetar em uma cadeira de rodas, elas precisam fazer Arte, sua missão é nos inquietar com a beleza que só elas podem produzir, precisam andar, ainda existe muita estrada. Sorte terão nossos filhos se elas tiverem força para continuar nos palcos a nos provocar algumas catarses.
Acho impressionante quando um homem passa a agredir outra pessoa por conta de verdades tão primitivas e medievais. Contudo, claro, o barbarismo sempre é mais fácil de ler, a História está cheia disso. Sei que para reafirmar minha “macheza” e moral judaico-cristã (vontade de poder ocidental), preciso negar o outro, repreendê-lo, humilhá-lo, assim todos saberão que eu não sou como ele. Não, meus amigos, estão indignados com as coisas erradas! Guerra, miséria, fome, isso sim são elementos tristes e que merecem a nossa força e atitude máxima para sanar, mas condições sexuais? Tenham dó. (notem que não uso a palavra “orientação”, pois não se orienta o que é natural. Não somos orientados a beber água, temos sede e bebemos, é uma condição para estarmos vivos, simples assim).
 Vejam bem, pode ser cristão, budista, espírita, ateu, só não pode ser chato nas críticas por conta de um beijo, seja homo, seja heterossexual (beijo é beijo). Beijar não é ruim. Ruim é ocupar a bancada do plenário e querer que voltemos diretinho para a escuridão da Idade Média. Política partidária é uma coisa; política religiosa é outra. Isso já deveria estar bem claro em um país dito laico. Enfim, posso até estar enganado, mas duvido que o amor ofenda a algum deus.

Cuidemos com o que estamos passando para nossos filhos. Terrorismo não parece ser uma boa ideia, pelo menos não no século 21. Retroceder nunca! 

quinta-feira, 19 de março de 2015

MUITOS...


Já fui tantos que até perdi as contas, todos fomos, tanto os de mim quanto os que habitam em ti. O problema é saber lidar com tamanha multidão, pois só o tolo vê apenas uma pessoa, os que sabem (ou tentam) se ler, assustam-se por ter a consciência de que faltam olhos para tanta gente que mora por detrás de cada sorriso. Se há muitas verdades – ora bolas! –, também existem muitas maneiras de sorrir.  Até mesmo a tristeza sorri para alguma coisa, mesmo não sendo nítido para a cegueira de nossa visão.
Ainda ontem encontrei dois amigos queridos. Para dar exemplos do que falo, escrevo sobre os dois. Foi assim. Há tempo não trocava um pensamento com eles, assim, já que tinha que resolver algumas coisas na universidade onde estudei, resolvi aguardar enquanto a Samara (este é o nome dela) também se resolvia com seu projeto de Mestrado. Ali, bebendo meu café e esperando enquanto o cigarro me fumava o tempo, aparece o Juliano, que já é bem “multidado” e cheio de um pouco dos de si e dos de mim (quando conversamos com alguém em algum momento da vida, acabamos nos deixando um pouco neles). Quando o vi logo pensei: “Que sorte! Vim para ver aquela casa habitada, que é a Samara, e acabei encontrando outra habitação.” E pronto, estávamos todos repletos. Três pessoas, aparentemente. Magros, se olhassem de repente. Contudo, cada um carregando suas gorduras, suas existências e uma satisfação bonita ao perceberem seus velhos amigos. Parece um pensamento pequeno em meio a esta vida tão grande, esta gigante engolidora das pequenas memórias.
Sobre isso, penso assim: perceber o pequeno é saber vislumbrar o grande infinito do ínfimo. Por exemplo, a aranha tece para afinar a corda 'sol' 'lá' com o 'si' de 'mi'(m). Os grilos 'violoncelam' concertos brilhantes de modo que iluminam a grama toda junto às suas 'noturnações': produzem canções ‘desamarradoras’ de 'nós'. Já eu, o gigante 'poderoso', sou a desarmonia que não ata nem desata, um ser incapaz de fiar uma música, ou acender um lume em meio ao escuro de algum coração. Sem os amigos, sou só um estrangeiro na vida. Um alguém sem ninguém para aguentar e carregar um pouco desses de mim, de nós. Ninguém deveria ser como eu. Também seja você aquele que gostaria que estivesse por perto – e vai saber se alguém desejaria de fato o queremos de nós... Estranho, ainda bem que temos as diferenças para nos afinar: uma corda toca dó, a outra ré, mi, fá, sol, lá, si, e seus interstícios! O que eu quero nem sempre é bom para você. Acho que assim sai um pouco do gosto maniqueísta e amargo da "assertiva" que se perde na solidão.

Enfim, obrigado aos amigos por me trazerem à tona e ao tom, por me afinarem e por me fazerem sentir novamente como uma multidão. Espero que a rotina não nos faça rostos apagados na multidão. Se não assim, viramos memórias, flashes, resquícios, fantasmas... É preciso, volta e meia, nos resgatar do chão. E resgatamos.

sábado, 14 de março de 2015

PROFESSORES NÃO SABEM FAZER FOGO, SOPRAM AS BRASAS....


Não é fácil ser professor. Há dias em que estamos diante de alunos geniais e que já sabem para onde querem seguir; em outros – sendo bem realista –, defronte a seres estranhos que pensam a escola preguiçosamente. Os primeiros, os bons estudantes, são os que animam os educandários; os segundos, os relapsos, são o amanhã que se anuncia (previsão feita por muitos a respeito de nossa educação): profissionais vitimados pela ausência de qualidade, de respeito e de valorização diante da sociedade. Até poderiam, em um futuro próximo, substituir os professores por espantalhos e sacos de areia: os primeiros para mentir existência e os segundos para apanhar dos alunos – como temos assistidos cada vez mais frequentemente pela mídia a fora.
É certo, todo o docente é bom, desde que seus pupilos carreguem consigo um brilhantismo próprio, brilho disseminado já nas entranhas de suas casas, educação que vem da essência de seus lares. Saibam: nenhum “educador” educa de fato, eles só sabem soprar. Se não há brasa, não há fogueira e se não há fogo não pode haver luz, só treva. Perigoso! Já que não existem cores sem iluminação. Para isso nutro uma utopia: devemos todos entrar na escola com o peito queimando e prontos para “enfogueirar-se” ainda mais, pois prestem bem atenção no que digo: estudantes bons, professores bons; estudantes medíocres, professores medíocres; alunos mal educados, escola doente. A escolha está sempre nas mãos de quem olha no espelho. Sim, em um mesmo dia podemos ter todos eles: bons, medíocres, mal educados. No que completo: nossos filhos são os reflexos do que mostramos a eles. Cuidado!
O mundo precisa de um pouco mais de inspiração de pais e de mães. Por exemplo, na Alemanha o governo paga (acho que por uns dois anos) para que uma mulher engravide, o país está ficando velho. Se pensarmos se tratar de um Estado de primeiro mundo (pois investem pesado na educação), já supomos que o incentivo ainda é pouco, uma vez que os casais sabem das dificuldades acarretadas em povoar o mundo. São críticos. Agora faça o mesmo no Brasil. Na certa nossa população, em apenas nove meses, duplica. Viram como a educação é o elemento mais importante para o crescimento de um lugar?
Enfim, meus amigos, quem não participa – parafraseando o Chacrinha – se trumbica! Sejamos educadores em casa. Se formos, prevejo ainda um futuro descente para os nossos.

Boa sorte a todos nós!

domingo, 8 de março de 2015

MULHERES E CERVEJA: ASSOCIAÇÃO DESNECESSÁRIA


Não acredito que ainda associamos cerveja com mulheres. E pensar que tudo acontece naturalmente ali no fundo de nossas cavernas. Basta uma poltrona, uma televisão e algumas sombras manipuladas por seres de espíritos suínos. Assim é. Toda vez que um comercial de bebidas interrompe uma programação, ali estão elas a desabilitar uma luta que acontece já tem muito tempo. Quando uma pessoa se prontifica a se expor desse jeito, ainda mais associando seu corpo ao prazer de uma bebedeira, é como se a vida e a morte de tantas lutadoras ao longo dos últimos séculos não tivesse sentido algum – como dizemos popularmente: Simone de Beauvoir teria se revirado no túmulo.
08 de Março de 1857, Nova Iorque. Mulheres do setor têxtil, cansadas de tanta exploração, resolveram reivindicar. Indignados, os contrários à igualdade, decidem atear fogo na fábrica matando uma enorme quantidade de pessoas. Ou seja, houve muitas mortes e sofrimento para que meninas, hoje, pudessem nascer livres desse embaraço, uma vez que a superioridade do homem era consenso na época.
Tudo bem, isso aconteceu no século 19, não quero cometer atemporalidades, porém, pensando na trajetória, não há como tolerar essa malandragem mercadológica que, a custos altos, trazem de volta o barbarismo machista da exploração.
Desde meninos fomos educados dentro de uma sociedade patriarcal. Ninguém, pelo menos os de meu tempo, tinha a menor noção do desgaste que já ocorria nessas barras onde mantínhamos encarceradas nossas próprias mães. Sim, indiretamente, como homenzinhos, nos sentíamos os donos do mundo. Tanto que ao contrairmos o matrimônio, até hoje, a tradição manda que elas devam “herdar” os nossos sobrenomes. Comparem a situação: ao adquirirmos uma propriedade, a primeira coisa a ser feita é passar o bem para o nosso nome. Ele nos pertence. Mas será que é justo que isso se aplique às mulheres?

Bem, a esta altura do texto muitos devem estar se perguntando: “Verdade, não tinha pensado nisso!”. Contudo, logo esquecerão e continuarão a dar ibope a esses comerciaizinhos pouco criativos e de péssimo gosto. Se continuarmos com isso, temo por minhas filhas, elas não são babas para estarem nas bocas de bêbados que ainda pensam estar no século passado. É preciso olhares mais atentos e críticos para isso! Estamos no século 21, já. Não podemos regredir. 

sábado, 28 de fevereiro de 2015

NO BANCO-CARONA DA BICICLETA DE MEU PAI...


Quando era criança, lembro que o mundo parecia bem maior. Minhas memórias, às vezes, piscam para lances assim. Não recordo de tudo, mas o que me vem parece nunca ter saiu de mim.
Anos 80, eu devia ter por volta de uns cinco ou seis anos. Naquele dia, feliz da vida, meu pai resolveu me presentear com um relógio de plástico. O bonito era de verdade, sua marca era Casio (mais tarde aprendi que não se pronuncia “Cássio”, mas “Cazio”, sabe como é, quando o “S” está entre duas vogais o som acaba se “zeificando”). Dessabido disso – ainda nem sabia ler –, jurei que se um dia tivesse um filho ele se chamaria assim, de tão contente que fiquei com aquilo. Se eu conhecia as horas? Não, não conhecia. Mas eu era criança e o tempo é plural quando somos pequenos. Há muitos tipos de tempos naqueles meninos que fomos. A cada minuto éramos um novo de nós mesmos – ainda somos. Só andamos meio esquecidos.
Animado com a minha animação, meu pai então resolveu me levar até o centro da cidade para comprarmos, agora, uma calculadora. Para a situação e para a época era um presente maravilhoso. Parece pequeno, não parece? Mas a coisa toda aconteceu durante a viagem até lá. Acomodado no banco-carona de uma velha ‘monarque’, fui contemplando aquelas arquiteturas gigantesca. A cada esquina meu “velho” olhava para trás e apontava alguma coisa nova. Como as casas eram grandes e as ruas largas, quase sem fim! Parecia até uma aventura daquelas de filme. O encanto exigia muito mais do que um par de olhos. Nem pensei mais na maquininha. A epopeia pelo “velo de ouro” (a calculadora) era melhor, maior. Acho que foi minha primeira grande viagem para fora de minhas “brincriações” solitárias de garoto.
Se hoje sou essa pessoa “voadora” e que não sabe escrever nada objetivamente, devo isso aos meus pais. Mesmo passando por frias bem grandes e trabalharem como mulas, não me deixaram sentir nada disso. Nem da moeda da época sou capaz de lembrar, porém, como uma fotografia, posso ver nitidamente o contentamento dos olhos daquele homem me mostrando o mundo enquanto pedalava para o infinito cujo destino era uma lojinha de Paraguai.

Hoje as coisas ficaram pequenas, menos coloridas. Continuo passando pelas mesmas ruas de antes, só que não do mesmo modo, a frieza da rotina me fez olhá-las com indiferença. Cresci tanto que só agora me dei conta de que tive um mundo bem maior naquele banco-carona de bicicleta... 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

‘BONITEZAS’ DE CRIANÇA


O maior mistério de todos, sem dúvidas, se passa na cabeça de uma criança, pois são seres apaixonados e curiosos. Nem o que é pequeno lhes escapa. Nós, que sofremos com a doença da “adultez”, já fomos capazes disso, mas a patologia envolve também a amnésia e, como era de se esperar, esquecemo-nos de que um dia também fomos apaixonados pelas coisas mais bobinhas. Bobinha é a defesa usada para manter-se frio e “razoar” as “bonitezas” sutis da vida. “Não, não é assim que se fala, menino! O certo é “beleza”!” Amigos, ‘quando a criança ‘erra’ na gramática, eis que surge uma poesia’, palavras de um poeta, o Manoel de Barros, um garoto que tinha 97 anos de existência – e ele ainda existe, já que crianças não morrem, elas continuam ali, em algum cantinho de nós. No que corrijo: quando adultos, não ficamos apenas desmemoriados, ficamos também cegos para dentro.  
Nunca subestime a sabedoria de uma criança. Vejam como se animam para o primeiro dia de aula. Se a sociedade (adulta) amasse a escola como os pequenos amam, certamente, já estaríamos entre os países mais desenvolvidos do mundo. No que replica um rapaz: “Mas escola não é tudo!” Na certa que não, mas é um bom começo para todo o resto. Imaginem nossos governantes considerando os educandários como lugares importantes e de merecido investimento. Alunos recebendo banquetes e sendo agraciados com livros novos (a sua escolha), já no primeiro dia. ‘Sonho?’ Pode ser. ‘Investimento para longo prazo’, diriam outros. ‘Não dão votos’, mais outros. ‘Até ele votar já estarei aposentado’, pensa um político mais maquiavélico. Pois é, o emaranhado de situações que envolvem a educação faz com que, junto conosco, os futuros moradores do mundo sejam engavetados – junto às aranhas – em enormes gavetas empoeiradas e cheias de mais papéis.
Quer pensar no futuro? Então cultive o presente, porque o futuro não existe, hoje é que é o futuro de ontem. Deixar de investir na educação é desequilibrar o amanhã, que já será o futuro desses tantos ‘agoras’ que há. O tempo urge, cavalheiros, precisamos ouvir o que a paixão dos pequenos clama. O relógio deles também corre. Logo se tornarão um desses frustrados da vida, feito nós.
Não é uma “boniteza” observar os pequenos engrandecendo os espíritos em um primeiro dia de aula? Pois então vamos prolongar isso. Nenhuma paixão deve deixar de queimar. Se apagar, a culpa é toda nossa. E só nossa!


domingo, 22 de fevereiro de 2015

DESABAFO INÚTIL


Não, não sou escritor. Poeta, muito menos. Sentir-se assim exige justeza de sentidos e pensamentos. Saibam, sou incapaz de dizer algo para além da fala, a alma precisa saber braile, deixar-se invadir pelos ‘falos’, que são os dedos. Portanto, já que não sei fazer amor com as palavras, considerem-me um “escrevinhador” livre e sem utilidade. Um hinário esquecido de igreja. Prece banida do templo. Pedra jogada ao lago. Ondulações fracas e incapazes de mover sequer um barquinho de papel – porque os papeis também são epidermes, sendo assim, devem mover-se bem, sentir por onde navega...
Diz o verdadeiro, o Fernando de tantas Pessoas: “Quando olho para mim não me percebo./ Tenho tanta mania de sentir/ Que me extravio às vezes ao sair/ Das próprias sensações que eu percebo.” Para mim, ao contrário do poeta, é difícil me fazer entender. Outro dia, senti assim: “Cada bater de asas de uma pequena borboleta é um mundo inteiro que nunca mais se repete.” No outro pedi para que não me tomasse como norte. Sentia-me tão à deriva! Ainda, como um “sabotador” de pensamentos, questionei em outra situação: “Seja você aquele que gostaria que estivesse por perto? E vai saber se alguém desejaria de fato o que eu quero de mim... Estranho, ainda bem que temos as diferenças para nos afinar: uma corda toca dó, a outra ré, mi, fá, sol, lá, si, e seus interstícios! O que eu quero nem sempre é bom para você. Acho que assim sai um pouco o gosto maniqueísta e amargo da "assertiva" que errou de alvo.”.  
Enfim, é nítido: “não consigo segurar um pensamento”, desejaria, sinceramente, que minha alma tivesse tampa, ou pálpebras como têm os olhos. Só que meus espíritos são auditivos, eles não sabem fechar.
Sei também que os poetas e escritores devem ter almas mais sóbrias e com menos vontades de sentir – “O poeta é um fingidor”, citando novamente o Pessoa.
Ouça bem, Papel, te uso para tirar de mim esses excessos que me arranham o peito, rebarbas de ferro que não preciso deixar fincadas em mim. Se não você, nem o chão desejaria sujar-se com isso. Sua brancura pede sempre mais, e eu dou, jogando mais do meu lixo em seu interior silencioso. Deixo cair até que me digas: “menos, amigo, menos!” Não, não reclame, “escrevinho” tudo de mim em ti, não quero isso no peito. Só lamento que, ao invés de esvaziar-me, tu me engordas ainda mais. Maldição!  


Menos, amigo, menos!

sábado, 21 de fevereiro de 2015

FIAR, TECER E CORTAR...


A dissertação sempre é um bom teste. Não que precisamos de provas para nos provar competentes, mas, se for necessário, que seja escrevendo. Ali, em nossas verdades “escrivinhadoras”, podemos ser mais, mostrar o que realmente sabemos e transparecer, também, o que se perde em nós. Não há sorteios nem chutes diante de uma folha branca de papel. A única maneira de arriscarmos a sorte enquanto nos organizamos através dela é se a amassarmos em uma bolinha imperfeita para, em seguida, arremessá-la em uma lata qualquer de lixo.
Vencer o nada é como preencher o vazio com suas tintas. “Ao vencedor, as batatas!” – se é que me entendem, uma vez que não se mata fome alguma sabendo que seu destino foi traçado por uma jogada de adivinhações.
Dizem que o pecado preferido do diabo é justamente a vaidade, entretanto, para se entender existencialmente acima disso é necessário fiar, tecer e cortar. Refiro-me às Moiras, entidades da mitologia grega responsáveis pelo destino: a primeira puxava; a segunda tecia; e a terceira cortava o cordão da vida. Tal como uma tessitura feita por nós. Fiamos, tecemos e cortamos. Nenhuma tapeçaria pode se igualar a isso, já que, para fora das adivinhações, não existem bordados produzidos às cegas. Se há, são indignos, cheios de rebarbas, nódulos e em iminente estado de “desfiação”.
 É preciso ter ouvidos muito sabidos para sentar ao lado de uma velhinha bordadeira – nossas Moiras do cotidiano – porque, ao tempo que o novelo apequena-se, ela também vai tecendo uma fala costurada pra nós: fios puxados para dois tipos de vestes; duas linhas que vão se acabando enquanto aquele novelo durar na sua voz.
Adoro a sabedoria das velhinhas bordadeiras, tecem magistralmente, mas têm a mesmas chances de todos em um jogo de dados, contrário a seu ofício, fruto de maturação e concentração.  
Contudo, quando encontramos no mundo um ser que tenha a dignidade de uma dessas velhinhas, até ficamos orgulhosos e felizes, pois estão bem vestidos. Suas produções cobriram e depois descobriram uma nova tendência, uma moda que dificilmente cairá: o estilo de quem se veste muito bem por dentro.

Enfim, gosto da honestidade daqueles raros dedos que sabem fiar, já que são incapazes de embaralhar-se em baralhos de adivinhos dos que se creem qualificados para qualquer tipo de função.   

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

AFINAÇÃO...


Sempre que os olhos discordam dos lábios, um pensamento escapa.
Os gostos também são sentidos pelos traços. Talvez eles até digam muito mais do que as palavras possam dizer, prestando a devida atenção – claro! Se descrevêssemos um rosto, por exemplo, (seja ele feliz ou amargurado), não conseguiríamos nem chegar perto do que sentimos ao vê-lo de fato, pois ‘personas’ (máscaras) são para “estar”, dentro delas é onde o “ser” se esconde.
Os antigos gregos, durante as apresentações de suas peças, optavam sempre por dois tipos de “personas”. Se fosse comédia, o semblante era “naturalmente” sorridente. Tragédia, triste, de boca e olhos caídos. Nietzsche as relacionava como dionisíacas e apolíneas, respectivamente. Contudo, sabemos que temos mais. Há um arsenal inteiro de ‘faces’ a ser explorada no dia a dia. É frequente abrirmos o leque e escolhemos a que melhor condiz com a necessidade. Saibam que, em um único momento, podemos vestir várias delas, entretanto há um átimo de vulnerabilidade entre as trocas, e é ali que ficamos nus perante um olhar mais atento e apurado.
Existem, inclusive, tipos de rostos que se apresentam comuns em nosso cotidiano: os abertos e os fechados. Os primeiros são aqueles que se perdem para que os outros possam acontecer, os felizes demais; os segundos se gastam em amarguras e parecem descolorir qualquer encanto que se aproxime de seu foco (chamo-os de “murcha-flores”). Estes são perigosos, uma vez que se acostumam aos rostos, gostam de ficar, e assim que resolvemos tirá-los, descobrimos, então, que já é tarde, as máscaras já estão impressas nas linhas e nos contornos – e tudo desalinha, engessa-se naquelas expressões.  
Está certo que somos complexos, porém, enquanto parte de um grupo (no momento em que estamos nele), não tem jeito, ficamos desprotegidos pelo simples fato de nos sentirmos protegidos. A tendência é sempre nos perdermos. Deixamos de existir para suprir o medo do que alguém pensaria de nós. Nisso nos tornamos seres fáceis demais.
Bom, agora já podemos escolher as máscaras: as que desafinam a existência, ou as que se afinam com nossos verdadeiros rostos. A escolha sempre está em nossas mãos, mas, em verdade, nenhuma delas pode nos cobrir por uma vida inteira.
Boa sorte!!!


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

POSSO ESCREVER OS VERSOS MAIS TRISTES ESTA NOITE


Hoje, buscando referências para uma possível crônica, fui até a bibliotequinha de minha filha e encontrei o “Me ajude a chorar”, do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar. Logo de início dei de olhos com uma epígrafe de Pablo Neruda: "Posso escrever os versos mais tristes esta noite". Como não sou poeta (não tenho a verve), narro as ‘desacontecências’ do impacto que o verso me causou.
Explico:
Minhas tardinhas não sabem de mim, elas é que me impõem as suas “noturnações”. Por outro lado, hoje à tarde, ao observar o mundo pela minha janela, ocorreu-me isso: “Cada bater de asas de uma pequena borboleta é um mundo inteiro que nunca mais se repete.” Sim, estar triste é isso. É se esquecer de tudo o que é único e lembrar somente do que não volta mais. Como dizem os populares: “Ao olharmos para o passado, engordamos a depressão; para o futuro, a ansiedade.” Mas advirto: Se pensamos em uma dessas situações durante o dia, quando a noite chegar, ela te fará a cobrança. A dama escura é compreensiva – tudo bem! –, contudo, ela insiste em nos acender as memórias mais tristes por debaixo de seu manto.
Houve um tempo em que eu dormia, trapaceava seus encantos, seu manto. Hoje virei um “noturnador”. Deixo-me acender pelos grilos que iluminam meu gramado enquanto eu fico aqui dentro, nos interiores. Razão sempre há para “sofrenar” uma distância, ou quem sabe um perto mais íntimo. Isso pode até causar prazer, se bem canalizado. Nesta noite culpo o poeta. Senti-me obrigado a contar o quanto repercutiu em mim aquele verso. Sinto-o ainda ressoando, como um veludo arraigado na pele.
Noite, neste momento ela me cobre, eu é que me descubro dela. Não tem jeito, meus pés sempre ficam pra fora – se não eles, a cabeça. Apesar de grande, a escuridão parece pequena, sempre “enfaroa” alguma luz, esta “enfarenta” iluminação que não me deixa dormir. A única possibilidade de libertação está aqui, escrever, “noturnar” a tristeza que me causou esse sussurro do Neruda. Quanta inquietação!
É difícil deixar isso pra lá. Queria não ter aberto o livro. Por que fui procurar vontades que eu ainda nem tinha? Bom! Agora já não posso fugir. Passarei a madrugada com esse pedaço de víscera do Pablito a se palavrear no ritmo do peito. Fugir? Poderia. Só que para isso teria que ter antevisto aquele bater de asas dessa borboleta chilena. Quantas batidas mais preciso dar só para tentar entender uma única batida?

E o poema segue voando, enfim! 

VIVA O CORAÇÃO HUMANO!


Não há nada mais incrível do que o coração. O que se sente ali é um mundo que se norteia em milhares de possibilidades. Chore, se te der vontade. Sinta no peito a reverberação de uma saudade, de um abraço, de uma palavra, que seja. Sinta, apenas sinta, pois só somos quando os tambores não silenciam para os outros de nós. Neles, há um tamborilar para cada beleza sutil ou faceira. O belo é uma janela aberta que se quer olhar e ser/ver um pouco dos de fora. Ela só quer trazê-lo para dentro. Sentir os passantes em suas entranhas. Tudo isso é típico de nossas “ajanelações”. Todas têm olhos, ouvidos, bocas e peles só suas – peles querendo tocar o universo. Fios coloridos em mãos hábeis de bordadeiras. Vermelhidões apaixonadas por viver. Sentidos enrolados. Veias que irrigam o corpo, que é a casa de todos os nossos “eus”.
O eterno se silencia dentro de nós, dos de nós. Acorde-os. Abra-se para a infância (tempo em que sentíamos o mundo com mais carinho). Período em que o coração ainda estava novo e limpo. Renove-se. Seja um Quixote. Faça um chapéu de jornal e mantenha-se informado para as crianças que querem brincar contigo.
Viva o coração humano! Gritem comigo. Viva o coração humano! Marchemos para a brincadeira. Vamos nos mover pela motriz dos sonhos. Cavaleiros das tristes figuras são o que nos esquecemos de ser. Meninos curiosos, tal como pequenos príncipes. Homens-crianças fortes como Peter Pan. Vamos, amigos! Sigamos para as lonjuras mais distantes de todas as distâncias. Sair para dentro de nós mesmos é uma aventura. É por isso que existimos. Sentir é nossa sina. Ali, até as bonecas são vivas. Os loucos, saudáveis. Doidos que choram sem medo de “desempalavrear” suas literaturas engarrafadas em manicômios.
Ah! Se essa rua fosse minha. Eu mandaria todos os sonhos caminhar, mas, como as estradas vão se fazendo conforme caminhamos, seus passos só podem acompanhar os ritmos deste que nos guia.
Coração, tu não sabes da missa um terço! Seus terços são quartos quintos e sextos. Saboreias o que te damos para comer. Bebe o que te oferecemos para beber. Vives a intensidade de purezas ‘despurificadas’, desastradas e que só se vê depois que passou. Estamos cheios de passadas que, a cada palpitar, se incendeia. Veias quentes que quer apenas encontrar um lugar neste mundo.

Viva o coração humano! Viva! Existimos por ele, coexistimos em orquestras, como orquestrações sentidas por tantas outras batidas... Viva o coração!!!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O RON-RON DO GATINHO


Os gatos ronronam para expressar afetividade...
A explicação científica a respeito disso não pode suprir a musicalidade e relaxamento que encontramos nesses ‘ronquinhos’ gostosos e encantadores – o máximo que encontrei foi isso, sentimentos.
A cantora Adriana Calcanhoto diz se tratar de uma maquininha de afeto. Acho que até é mesmo, uma vez que eles só produzem os sonzinhos quando estão felizes e satisfeitos ao encontrarem-se em uma situação de prazer. Esta canção dos bichanos é algo que cativa a todos, desde poetas, músicos, “escrivinhadores”, amantes, pintores, até os adoradores de silêncios (digo bem, há muitos tipos de silêncio!), enfim, só escapam os espíritos que já estouraram alguma corda da existência.
Precisamos ouvir além do que os ouvidos suportam, porque as mãos não são surdas, muito menos os olhos. Contudo, é necessário afiná-los. O gato é um ótimo diapasão. Acertam corda por corda dos sentidos.  
Quando eles estão em suas caixas, principalmente as de papelão (não sei por que adoram as caixas de papelão!), servem como caixinhas de música. Roncam seus motores a um nível elevado para tanta sutileza. O funcionamento das engrenagens desse ‘miadinho’ ao contrário, por certo tem a capacidade de nos fazer funcionar. São motores que dão partida em qualquer alma, não apenas nas nossas (dos “poderosos” humanos), mas das deles, se sentirem o entrosamento – lembrando que, segundo o mito, eles possuem sete vidas. Coincidência ou não, as notas musicais também se distribuem em sete tons: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si. Os interstícios dependem de outros compositores ou maestros mais bem afinados.
Quem nunca amou o silêncio de um ronronar de gato não pode saber de mais nada. Preconceito meu? Por até ser. É que não entendo esse tipo de “não gostar”. Talvez porque, por dentro, também devamos estar ronronando em confluência para que eles nos ronronem de volta. Vai saber! Eu mesmo, sem um gato no colo, não consigo afinar uma linha sequer, nem escrevendo, nem lendo, nem existindo... Sou um dependente.

Só os gatos “devagarinham” cada uma de minhas eternidades, freia o que seriam daqui-a-poucos. Não, eles não gostam de dar de comer a nenhum depois. ‘Agorar’ futuro é tolice de gente. Se não acredita, faça carinho neles e espere. O som que produzirem é o infinito eternizando um prazer. Para eles, é o momento que importa. Ouça, aproveite a libertação e não tenha medo de amá-los para sempre!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

QUANDO UM HOMEM AMA UMA MULHER


O amor é uma peça em quatro atos. Ele acontece junto com as estações: primeiro vêm as flores do encontro; depois o calor do verão;  logo as folhas secam, caem e se renovam para, em seguida, ficarmos cientes de que haverá também o frio, as dificuldades do inverno. Superando o tempo, fica a semente para germinar firme e criar, então, raízes fortes e bem arraigadas dentro de nós.
Há quem diga que ele (o amor) é um estado de espírito, uma vontade solta pelo mundo. Um norte perdido dentro de uma bússola de mil ponteiros. Bússola frenética e desconhecida, onde cada seta está à deriva em rodopios invariáveis por debaixo daquele vidrinho fino. Ao invés de se estabilizar, ela se perde ao som de uma voz primaveril. Não falo aqui de qualquer vozearia, refiro-me aquele som necessário do qual ninguém mais pode ouvir – apenas nós. É um silêncio organizado para nos desorganizar, para desorientar os corações. Quando o ouvimos, desejamos voltar ao tempo do astrolábio, porque ele não dependia de “ponterações”, sendo assim, não “loquiava” tanto ao observar as estrelas.
Se, por ventura, sentir o peito vazio, mesmo sabendo da carga carregada dentro dele, saiba que, de sua parte, há muito mais do que interesse, há um desinteresse em viver dali para frente sem aquela verdade que te encontrou. Pedir para explicar mais, não dá! Existem coisas que ou você sente, ou não sente. Se já sentiu vai saber.
Quem pode medir a intensidade do brilho de cada um desses astros? Gráficos são incapazes de sentir tamanha turbulência. Sempre ouvi falar muito da ‘Escala Richter’, porém, para um homem apaixonado, a terra treme mais, ultrapassa qualquer fator mensurável para os demais. Gostaria de não confundir – já que falei de apaixonado –, o amor é maior, é uma tempestade florescida. Ele sim é capaz de suportar terremotos, invernos glaciais e até mesmo as direções, aparentemente, mais perdidas. Nenhuma escolha é feita, ele vem e se instala nas interioridades. É no encanto que se manifesta – quem sabe somente uma única vez na vida.
Enfim, quando um homem ama uma mulher, os caminhos são curtos, se isso for barreira para chegar onde ela está – as estações estão sempre floridas quando está por perto. Assim, ficamos ignorantes a outras belezas, todas elas lembram a mesma: a que te fez misturar os ponteiros. Remédios não existem, a única “panaceia” está ali, na pele, nos olhos, na figura daquela que te adoentou.

Acho que é isso!